Correio Braziliense: Brasília Patrimônio Vivo – Cinema

Foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press. Brasil.
Foto: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press. Brasil.

Brasília, para sempre, um eterno cineclube

Como sempre, houve o dedo dos criadores, que trouxeram a nata da intelectualidade brasileira para fazer da capital um projeto inovador. Com o cinema, não foi diferente. Graças a pioneiros, como Paulo Emílio Sales Gomes e Nelson Pereira dos Santos, tivemos o primeiro curso superior de cinema no país e temos um dos mais prestigiados festivais. A 13ª edição do Brasília, patrimônio vivo: os protagonistas da história da capital mostra talentos da produção audiovisual.

Sem fronteiras nem limites, um fluxo constante de sonhos

Estamos falando de cinema, e quem o descreveu assim, como uma caminho ilimitado, para a imaginação, foi Orson Welles. Brasília permanece firme nessa trajetória

“Sem fronteiras nem limites, um fluxo constante de sonhos”. Este texto poderia ser composto só de nomes, além da frase do ator, produtor e cineasta norte-americano Orson Welles: “O cinema não tem fronteiras nem limites. É um fluxo constante de sonho”. Em Brasília, não faltou nem falta a ousadia para sonhar e transformar roteiros em arte nas telas.Foram tantos os que contribuíram para tornar Brasília um importante polo do cinema nacional, que fica difícil resumir, numerar, escalar, elencar ou reduzir a páginas. Atores, produtores, diretores, professores, há um sem número de pessoas que transformaram Brasília em referência na produção e na disseminação da produção audiovisual brasileira.

Referência porque aqui foi concebido o primeiro curso superior de cinema no Brasil. Porque para cá vieram, por força da Universidade de Brasília, as grandes cabeças do cinema nacional. Porque a capital é sede ainda hoje de um dos mais prestigiados e queridos festivais, que premia e evidencia os talentos da produção brasileira.

O 13° suplemento da série Brasília, patrimônio vivo: a história dos protagonistas da capital, parceria entre o Correio Braziliense e o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), é sobre cinema. Resgatamos a história de alguns pioneiros, mas também mostramos quem são os novos talentos que estão movimentando a arena cinematográfica da capital.

Recordar é viver; lembrar é homenagear

Afonso Brazza

Crédito: Arquivo CB/D.A Press. Cineasta Afonso Brazza e Claudette Joubert em cena do filme Inferno no Gama.

O que dizer do ator e cineasta Afonso Brazza, o Rambo do Cerrado, nosso bombeiro-cineasta? Ele começou cedo e, infelizmente, morreu cedo, aos 48 anos, em 2003, por complicações decorrentes de um câncer no esôfago. Nasceu José Afonso dos Santos Filho, em São João do Piauí. Foi criado no Gama, para onde os pais migraram, e teve uma infância difícil.

Legítimo representante do cinema trash, Brazza deixou um filme inacabado, Fuga sem destino. Coube ao amigo e também cineasta Pedro Lacerda, diretor de Vidas vazias e as horas mortas, finalizar a produção, apresentar a Brasília e lutar pela preservação do acervo e da memória do nosso Rambo.

 

Paulo Emílio Sales Gomes

Crédito: AE/Reprodução. Crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes.

Historiador, crítico de cinema, ensaísta, professor e militante político, o paulista Paulo Emílio tem enorme importância para o cinema brasileiro e, especialmente, para Brasília se firmar como polo de produção audiovisual. Criador da Cinemateca Brasileira, do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, ele chegou a Brasília logo após a inauguração.

Em 1964, a convite de Pompeu de Souza, criou, com Nelson Pereira dos Santos e outros, o curso de Audiovisual da Universidade de Brasília, o primeiro do tipo no Brasil. No ano seguinte, o curso seria dissolvido após o governo militar cassar 15 professores da universidade – em solidariedade, os outros professores demitiram-se.

Em 1965, Paulo Emílio integrou uma comissão de intelectuais, escolhidos pela Fundação Cultural do Distrito Federal, para fundar a 1ª Semana do Cinema Brasileiro, que, dois anos depois, seria renomeada como Festival de Brasília, o mais antigo do país.

Em homenagem ao professor, em 2016, ano do centenário de nascimento de Paulo, o Festival criou, como homenagem a figuras da área, a medalha “Paulo Emílio Sales Gomes”, que foi dada a Jean-Claude Bernardet, outro criador do curso da UnB, e Nelson Pereira dos Santos. Foi um ferrenho defensor e militante do cinema nacional. Morreu em 1977, aos 60 anos.

Aos 12 anos, foi morar em São Paulo. Lá, conheceu José Mojica, o Zé do Caixão. Trabalhava numa pastelaria de manhã e, à noite, frequentava a Boca do Lixo, participando da equipe técnica e elenco de diversas produções.

Voltou a Brasília, já casado com a atriz Claudete Joubert, tornou-se bombeiro, mas nunca deixou de ser cineasta. Sem recursos, filmava do jeito que dava e ganhou um público especial. O autor de Inferno no Gama e Gringo não perdoa, mata chegou a conseguir público recorde com Tortura selvagem, mantendo-se no cinema por quatro semanas.

Geraldo Moraes

Ele foi um dos grandes responsáveis pelo crescimento e reconhecimento da produção audiovisual brasileira. O cineasta Geraldo Moraes, que morreu no ano passado, aos 78 anos, foi presidente do Congresso Brasileiro de Cinema e secretário de Audiovisual  e Planejamento do Ministério da Cultura. Coordenou a regulamentação da lei do audiovisual, além de outras atuações políticas importantes para o cinema nacional.

Radicou-se em Brasília em 1967, depois de ampla vivência com o cinema em Porto Alegre, onde viveu a infância e a adolescência, e em Goiânia, para onde seguiu depois do golpe de 64, ajudando a montar o Departamento de Cinema do estado de Goiás.

Geraldo Moraes – Crédito: Arquivo Pessoal.

Na capital federal, foi professor da UnB, onde criou o  CPCE — Centro de Produção Cultural e Educativa, a partir de um convênio com o BID, onde produziu ampla documentação audiovisual da Região Centro-Oeste.

Nos anos 1970, realizou dois curtas-metragens, escreveu e dirigiu peças teatrais e começou a preparar seu primeiro longa, A difícil viagem (1981). Dirigiu também os longas Círculos de fogo (1990), No coração dos deuses (1997) e O homem mau dorme bem (2009).

O cineasta tinha também vários livros publicados. Seus seis filhos seguiram no ramo de comunicação: Márcio (diretor de animação), Marta (jornalista), Denise (cineasta e professora de cinema), Paulo (produtor de televisão), André (músico e diretor de cinema e televisão) e Bruno (ator e cineasta).

Nelson Pereira dos Santos

Ele levou para as telas clássicos da literatura, como Vidas secas e Memórias do cárcere. Montou o primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, Barravento. Foi precursor do Cinema Novo e o primeiro cineasta a ocupar cadeira na Academia Brasileira de Letras. Foi vencedor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, com Tenda dos Milagres, em 1977. Premiado também em Cannes, Gramado e Havana. Também foi homenageado no festival e com a medalha Paulo Emílio Salles Gomes.

O cineasta brasileiro Nelson Pereira dos Santos – Crédito: Reprodução.

O genial mestre de clássicos, como Rio, 40 graus, foi um dos grandes mentores do cinema brasileiro. Também tem um vínculo estreito com Brasília. Jornalista, documentarista da realidade nacional, tornou-se um dos pioneiros fundadores do curso de cinema da UnB, de onde foi professor. Também fundou o Polo de Cinema e Vídeo do Distrito Federal. Tinha grande ligação com a capital, que ambientou parte de suas produções, como Brasília 18 graus. Nelson era paulista e morreu no Rio de Janeiro, aos 89 anos, em abril deste ano.

 

Brasília por quem é daqui

Cineasta e funcionário público, Santiago Dellape foi premiado com o projeto de conclusão de curso. Dali em diante, não parou mais
Sócio de uma produtora, Santiago se prepara para lançar A repartição do tempo, seu primeiro longa, nos EUA – Crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press.

Nascido em Brasília, o diretor, roteirista e editor Santiago Dellape, 35, busca retratar a cidade fora dos lugares-comuns de quem conhece a capital por cartões-postais. Funcionário público há oito anos, ele sabe bem como é a rotina burocrática da cidade e transporta para as telas particularidades da vida brasiliense. Com um longa, seis curtas e um telefilme no currículo, Santiago encara o cinema como uma segunda profissão e acumula projetos e planos para novas produções.

O gosto pelo cinema cresceu na época da faculdade. Filho de jornalistas, ele seguiu o caminho dos pais, mas, ainda na UnB, se envolveu com audiovisual e fez seus primeiros filmes. “Peguei dupla habilitação. Eu me formei em jornalismo e em audiovisual ao mesmo tempo. Uma banca foi às 8h e outra, às 10h”, conta.

Nada consta, um dos curtas apresentados como projeto de conclusão de curso, recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 2007. “Foi o primeiro reconhecimento relevante da minha carreira”, diz ele.

Desde então, foram várias premiações. Entre as mais importantes, uma menção especial do júri do Fantasporto, maior festival de cinema de Portugal e um dos maiores festivais de gênero do mundo, em 2017, pelo longa A repartição do tempo. E o prêmio de melhor curta pelo júri popular de Gramado para Ratão, em 2010. “A gente acertou a mão bonito no Ratão, deu muito certo e virou meu melhor portfólio”, admite.

Fã de filmes da sessão da tarde e de diretores como John Hughes, Robert Zemeckis e Richard Donner, responsáveis por clássicos dos anos 1980 e 1990, ele tem clara referência estética nas produções a que assistia na infância e adolescência. “Esses filmes despertaram em mim a paixão pelo cinema. Gosto dessa coisa meio despretensiosa e de gêneros pouco explorados pela produção nacional, como terror, ficção científica e ação”, explica. Entre outras inspirações, estão os irmãos Coen — diretores de O Grande Lebowski, seu filme favorito —, Quentin Tarantino, e os brasileiros Fernando Meirelles, José Padilha e Beto Brant.

Longa
Dividido entre vários projetos, Santiago concluiu em 2016 seu primeiro longa, A repartição do tempo. Da concepção à chegada às telas, no início deste ano, foram mais de seis anos. Ele trabalha, agora, para levar o filme aos Estados Unidos. “As exigências para entrar no mercado do país são inacreditáveis e, ironicamente, o filme fala exatamente sobre burocracia”, diz Santiago, que investiu dinheiro do próprio bolso para finalizar a obra.

O longa inspirou o telefilme Meio expediente, produzido para a Rede Globo, no fim de 2017, na qual foram mantidas “as cores de Brasília”, como o elenco, a equipe e a trilha sonora da cidade. O filme foi exibido em rede nacional e em 77 países.

“Era para ter sido exibido só no DF, mas acho que o resultado ficou tão legal que eles passaram em todo o Brasil, no dia 26 de dezembro”, comemora. “Marcamos 14 pontos, o que significa que cerca de 14 milhões de pessoas assistiram à transmissão. Foi indescritível, acompanhei a resposta nas redes sociais e foi muito bem avaliado.”

Sócio da produtora Gancho de Nuvem desde 2016, ele se juntou ao antigo sócio, o diretor Gui Campos, para o próximo especial de Natal da emissora, que vai se chamar Fuga de Natal. “Estamos procurando locação e fazendo ensaio com os atores”, revela. Baseado no curta Rosinha, de Campos, o filme começa a ser rodado nesta semana e conta a história de três idosos que decidem fugir do asilo na véspera do feriado, para reviver memórias da cidade. “A direção é de Gui Campos, eu faço produção e edição, e estou feliz porque não tenho muitas oportunidades de trabalhar com montagem.”

Outros dois longas estão em fase de desenvolvimento. O verão da lata vai lembrar a história real da tripulação de um navio, proveniente da Austrália, que lançou na costa brasileira cerca de 22 toneladas de maconha enlatada, em setembro 1987, temendo problemas com a polícia local. O outro, Saçurá, é um terror de época, uma adaptação da lenda de Saci-Pererê. “Juntar Saci e o terror me parece óbvio, todos os detalhes são sombrios. Não sei quando pensei nessas ideias, mas são antigas, da época da faculdade”, conta.

Com especializações em roteiro, Santiago se organiza para participar de cursos de verão na mesma área, na Universidade da Califórnia (UCLA). “Consigo uma licença capacitação e não preciso parar minha produção de cinema”, diz, explicando a opção por um curso rápido.

“Gosto dessa coisa meio despretensiosa e de gêneros pouco explorados pela produção nacional, como terror, ficção científica e ação”

Santiago Dellape

Escultor de memórias

Aos 83 anos, Vladimir Carvalho é um orgulho de Brasília. Documentarista, ícone do cinema regional, criou um museu particular e doou à UnB
Documentarista que adotou Brasília, Vladimir é autor de clássicos, como o País de São Saruê – Crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A. Press.

Um dos principais cineastas brasileiros, o paraibano de Itabaiana Vladimir Carvalho foi um dos primeiros a apontar a câmera para um Brasil pouco visto nas telas de cinema. Com um olhar crítico e, ao mesmo tempo, poético e sensível, ele mostra personagens reais, recupera memórias da história do país e perpetua em imagem e som a complexidade e a contradição da realidade nacional.

Vladimir, que neste ano completou 83, está intimamente ligado à história da capital. Em Brasília desde 1970, ele realizou, no Centro-Oeste, algumas de suas obras mais icônicas, mas sua contribuição para o cinema começou anos antes, depois que uma projeção de O homem de Aran, de Robert Flaherty, mudou sua perspectiva sobre o cinema documental.

O pontapé para a carreira foi uma parceria com Linduarte Noronha, seu antigo professor de geografia, e João Ramiro Mello, amigo de toda a vida, com quem coescreveu o roteiro de Aruanda (1959). O curta-metragem foi considerado um manifesto da geração de cineastas que viveu a agitação política e social dos anos que antecederam o golpe militar. Apontado como precursor do Cinema Novo, Aruanda estampou a aridez da Serra do Talhado e as precárias condições de subsistência no Nordeste canavieiro, influenciando uma série de trabalhos que o sucederam.

Em 1962, realizou com João Ramiro o documentário Romeiros da guia, que acompanha uma romaria anual de pescadores rumo às ruínas da Igreja de Nossa Senhora da Guia. Em seguida, partiu para Salvador, onde terminou o curso de filosofia e fez amigos que também se destacariam na cena cultural e política brasileira. Na capital baiana, viveu um período de efervescência artística dividido com Glauber Rocha, Caetano Veloso, Carlos Nelson Coutinho, Torquato Neto e outros jovens que fomentaram a produção nacional.

Foi na Bahia que recebeu o convite de Eduardo Coutinho para assumir a assistência de direção de Cabra marcado para morrer, filme que mistura ficção e documentário para contar a história de João Pedro Teixeira, líder camponês de quem Vladimir se tornara amigo antes de seu assassinato. Com o golpe de 1964, as gravações foram interrompidas e, perseguido por militares, Vladimir entrou para a clandestinidade, protegendo a viúva de João Pedro, Elizabeth Teixeira.

Antes de se mudar para Brasília, passou uma temporada no Rio de Janeiro. Trabalhou como repórter e como assistente de direção de dois filmes de Arnaldo Jabor.

À época, começou a elaborar o clássico País de São Saruê, finalizado em 1979. Agraciado com o Prêmio Especial do Júri do Festival de Brasília, a produção dividiu opiniões, mas foi classificada pelo crítico José Carlos Monteiro como “uma obra tão perturbadora que resistirá aos modismos e tropismos do real”.

Mudança
Em 1969, Vladimir veio a Brasília para participar do festival de cinema com o curta A bandoleira. Ele se lembra da primeira impressão que teve da cidade quando saiu do Hotel Nacional para conhecer a capital. “Vi a rodoviária e o Congresso ao fundo. Era um domingo, não tinha ninguém em lugar nenhum.” Hoje, vê a cidade como um “reflexo de todo o Brasil”.

Durante o festival, ele encontrou Fernando Duarte, diretor de fotografia de Cabra marcado para morrer, que o convidou para organizar na UnB um “núcleo cinematográfico do Centro-Oeste”. O chamado era, na verdade, uma artimanha de Duarte, que queria convencer o amigo a integrar o corpo docente do curso de cinema. Deu certo. “Vim para passar dois meses e estou há 48 anos. Nos dois meses, comecei a ver a cidade como uma caixa de ressonância para os problemas brasileiros. O centro nervoso do país é aqui. Um projeto nacional, se existisse, passaria por Brasília. Adotei a cidade e acho que Brasília também me adotou.”

Na cidade, rodou Vestibular 70, que registra a participação de candidatos de todo o país na prova de admissão da UnB. Vladimir também dirigiu os longas Conterrâneos velhos de guerra e Barra 68, Sem  perder a ternura, e o curta Brasília, segundo Feldman, que são um contraponto à ideia utópica  dos idealizadores da nova capital.

Em Barra 68, ele expõe o esvaziamento do projeto de universidade pensado por Darcy Ribeiro, causado pela invasão de tropas do Exército no campus. Nos outros dois, lembra o trabalho árduo dos candangos que foram, majoritariamente, esquecidos pelas narrativas da capital. “O Conterrâneos é praticamente a síntese de todo o meu trabalho, me marcou muito porque é uma memória que começa com a construção de Brasília e vem até os dias de hoje.”

Cinememória
Pouco antes de completar 80 anos, Vladimir doou sua casa, com tudo o que há nela, à UnB. O Cinememória é uma espécie de museu particular da história do cinema nacional, localizado na W3 Sul. O local abriga 5 mil títulos, a maioria ligada ao cinema, além de câmeras, equipamentos antigos, fotografias e centenas de outras lembranças colecionadas ao longo de mais de cinco décadas.

É na casa, onde viveu por anos com a esposa, a escritora Lucília Garcez, que ele concentra também o seu trabalho de escultor. O dom da carpintaria, herdado do pai, é mais do que uma distração. Desde a juventude, Vladimir surpreende amigos com um trabalho primoroso de esculturas e xilogravuras. “Gosto muito desse trabalho, mas nunca expus.”

Torcedor do flamengo e leitor fervoroso, Vladimir garante que não se aposentará. Embaixador cultural de Brasília, ele foi homenageado em 2015 pelo festival de cinema, sendo premiado na abertura do evento.

No ano passado, lançou seu longa mais recente – Cícero Dias, o compadre de Picasso.

“Comecei a ver a cidade como uma caixa de ressonância para os problemas brasileiros”

Vladimir Carvalho

 

“Sentia que seria a minha vida”

Premiada pelo filme Que horas ela volta?, Camila Márdila construiu sua carreira de atriz desde a infância

Criada em Taguatinga, Camila atualmente mora em São Paulo e vem a Brasília duas ou três vezes por ano   –   Crédito: Carlos Moura/CB/D.A Press.

A vocação de atriz surgiu muito por acaso na vida de Camila Márdila, 30 anos. O pai e a mãe vieram para Brasília em busca de condições melhores, deixando para trás uma vida rural. Apesar de os pais representarem a primeira geração alfabetizada na família humilde, ela não tinha livros em casa e muito menos o hábito de frequentar o teatro e o cinema. O lado artístico de Camila teve seu despertar quando entrou na escola.

Nascida em Brasília, Camila morou em Taguatinga a vida inteira e estudou no colégio Jesus Maria José, que, segundo ela, tinha um movimento cultural muito interessante. Era ela que lia a poesia no Dia das Mães e também nas missas da escola católica. “Muito intuitivamente, comecei a fazer peça nas aulas e a dirigir as amigas pequenininhas”, comenta. A mãe perguntou se ela não gostaria de fazer um curso.

Curiosamente, Camila não gostava de fazer teatro infantil. Até que, aos 11 anos, conheceu a atriz e diretora brasiliense Luciana Martuchelli, que, na época, dava aulas na Faculdade Dulcina, no Conic. “Assim que comecei a estudar a interpretação e o ofício de ser ator, coloquei todo meu empenho naquilo. Eu via aquilo como trabalho e sentia que aquilo seria a minha vida”, ressalta.

Camila começou a trabalhar muito nova, como monitora de cursos e fazendo publicidade como atriz-mirim. Aos poucos, foi construindo uma poupança para investir na carreira. Em 2009, fez uma oficina com os irmãos Guimarães e começou a trabalhar com eles de maneira mais profissional, viajando com peças. “Percebi  a carreira como algo permanente.”

Que horas ela volta?
A mãe sempre sugeria que ela buscasse a televisão, mas não era esse caminho que ela queria trilhar. “Eu queria fazer teatro e cinema, a televisão seria consequência disso.” Foi o que aconteceu. Após a formatura em comunicação social na UnB, Camila se mudou para o Rio de Janeiro para entrar em um coletivo de atrizes. Depois de um tempo, foi para São Paulo, onde mora atualmente.

Na opinião dela, o papel que mais marcou sua trajetória foi a Jéssica – personagem que interpretou no filme Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, interpretando a filha de uma empregada doméstica vivida por Regina Casé. Segundo Camila, uma obra que marcou a cinematografia brasileira e virou um conceito. Com ele, ganhou prêmios de melhor atriz no Festival de Sundance e melhor atriz coadjuvante no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. “A Jéssica foi uma personagem muito relevante, que até hoje me marca muito e as pessoas me falam sobre se sentirem Jéssicas. O maior privilégio que um ator pode ter é um papel conceito como este”, reconhece.

Também tem outros filmes no currículo, como Entre idas e vindas e Cora Coralina, todas as vidas. Atuou ainda na série Justiça, da Globo. Para o futuro, Camila Márdila deseja ter mais personagens incríveis e que tragam alguma história relevante para o mundo. Além disso, está escrevendo, dirigindo e produzindo. “Acredito que tenho que participar ativamente e criativamente de tudo que eu faço, reescrevendo cenas, propondo novas ideias”, complementa.

A atriz de origem brasiliense vem para Brasília duas ou três vezes por ano, sendo uma das visitas durante o festival de cinema, e afirma que, quando não está aqui, sente falta dos amigos e familiares. “Além disso, tem a paisagem. Como não falar do céu de Brasília? A luz é especial e tem períodos do ano em que a cidade realmente fica muito mágica.”

Grandes Talentos

Adirley Queirós

Crédito: Ed Alves/CB/D.A Press.

O mineiro migrou para a Ceilândia ainda pequeno, com os pais, nos anos 1970. Foi jogador de futebol, professor particular e funcionário público até ingressar no curso de cinema da UnB, aos 28 anos. Seu trabalho de conclusão de curso, o curta-metragem Rap, o canto de Ceilândia, recebeu diversos prêmios. Seus longas-metragens A cidade é uma só? (2011) e Branco sai, preto fica (2014) também foram premiados em importantes festivais brasileiros. Também comandou o documentário Era uma vez Brasília, com ênfase das questões da periferia. A fita foi exibida no Festival de Locarno, na Suíça.

 

 

 

André Luiz Oliveira

Crédito: Oswaldo Reis/Esp.CB/D.A Press.

Meteorango Kid — O herói
intergalático foi o filme que apresentou André Luiz Oliveira, em 1969, ao público brasiliense. O diretor baiano chegou a Brasília em 1991 e aqui continuou a trabalhar com as câmeras. Também músico, conquistou o troféu Candango de melhor filme, no 28º Festival de Brasília, em 1994, com o filme Louco por cinema, que reuniu um elenco de muitos artistas locais. Também ganhou o prêmio pelo Zirig Dum
Brasília, documentário sobre Renato Matos, em 2014.

 

René Sampaio

Crédito: Bárbara Cabral/Esp. CB/D.A Press.

Ele levou 1.500.000 de pessoas ao cinema para ver Faroeste caboclo, lançado em maio de 2013, que foi exibido mundo afora e levou inclusive o Prêmio Especial do Júri em Direção em um festival de Dallas. É também o filme vencedor do 13º Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 7 categorias, incluindo melhor filme de ficção. O longa recebeu também o 10º Prêmio Fiesp 2014 do Cinema Brasileiro como Melhor Filme. Antes disso, havia abocanhado sete Candangos com o curta Sinistro. Formado em jornalismo e publicidade, René também tem uma carreira bem-sucedida nessa área, tendo alcançados vários prêmios, como o Leão de Cannes.

 

 

 

Iberê Carvalho

Crédito: Minervino Junior/CB/D.A. Press.

Ele nasceu em Brasília em 1976. Estudou antropologia, jornalismo e fez pós graduação em direção cinematográfica em Madrid, na Espanha. Seus filmes já foram exibidos em diversos festivais no Brasil e no exterior. Foi vencedor do prêmio de melhor Curta-metragem latino-americano no Festival de Havana, com o filme Para pedir perdão. Outro longa, Procura-se, foi reconhecido no Festival Prix Jeunesse Iberoamericano. No Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, foi agraciado com um candango pelo curta Suicídio cidadão.


José Eduardo Belmonte

Crédito: Paprica Fotografia/Divulgação.

Formado na Universidade de Brasília, o cineasta já tem longa trajetória no cinema. Em 2003, fez sua primeira investida em longas-metragens, com Subterrâneos. O  filme Alemão, exibido em 2014, fez grande sucesso comercial. Em 2015, fez uma série da HBO, O hipnotizador. No ano seguinte, elenco bastante conhecido, como Ingride Guimarães, Fábio Assunção, Alice Braga e Rosanne Mulholland, estreou o filme de Belmonte, intitulado Idas e vindas. Dirigida por ele, a série Carcereiros, foi premiada em Cannes, na França.

 

 

Dácia Ibiapina

Crédito: Arquivo Pessoal.

Ela tem uma vasta produção cinematográfica. Diretora e roteirista dos filmes Palestina do Norte: o Araguaia passa por aqui (1998), O chiclete e a rosa (2001), Vladimir Carvalho: conterrâneo velho de guerra (2004), Cinema Engenho (2007), Entorno da beleza (2012), O gigante nunca dorme (2013), além de Ressurgentes: um filme de ação direta (2014). Em 2017, seu filme Carneiro de ouro foi selecionado para diversos festivais e mostras de cinema, como o 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e na 21ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Há uma forte presença da questão social em seus filmes, como seu primeiro longa-metragem, Entorno da beleza, que aborda os concursos de miss.

Animação em destaque

O primeiro curta de Fernando Gutiérrez, O Mascote, ganhou prêmio e acumula mais de 600 mil visualizações nas plataformas digitais
Produtor do BAF, Fernando voltou para desenvolver o gênero na cidade – Crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press.

Apaixonado por animação, Fernando Guitiérrez, 41, precisou abrir caminhos na área para trabalhar em Brasília. Depois de investir em especializações fora da cidade, ele retornou à capital, onde promove o estilo tanto em sala de aula, como professor, quanto na produção do Brasilia Animation Festival (BAF), mostra local voltada para a animação.

Fernando dirigiu quatro curtas na área, participou de diferentes etapas de criação em diversos projetos e se prepara para dirigir seu primeiro longa, O sonho de Clarice, cujo roteiro foi inspirado na filha de 6 anos.

Filho de pai boliviano e mãe cearense, ele nasceu em La Paz e se mudou para o Plano Piloto aos 2 anos. O interesse por animação foi despertado na adolescência, quando, motivado pelos pais arquitetos, começou a desenvolver desenhos técnicos para projetos do casal.

“Sempre gostei de mexer com peças e eletrônicos, por isso, achava que ia gostar de estudar engenharia elétrica, mas me sentia em um lugar entre as exatas e as humanas, e fui percebendo que o curso não era para mim”, conta, sobre a escolha feita na faculdade.

Fernando passou pelo curso de artes cênicas, participou de grupos alternativos de teatro, e se formou em publicidade pelo UniCeub. Ele já flertava com a animação quando decidiu se jogar de cabeça no cinema. “Era concursado da Caixa e aproveitei esse momento em que eu tinha salário e estava solteiro para ir São Paulo estudar”, lembra.

Depois de vários cursos de curta duração, passou quatro anos na capital paulista, onde se especializou em computação gráfica 3D, deu aulas no Sesc e na Universidade Anhembi Morumbi e trabalhou com grandes produtoras de desenhos animados.

Seu primeiro curta, O mascote, tem quatro minutos e é inspirado na trajetória de sua mãe, que saiu do Ceará para viver em Brasília. “Apesar de uma certa ingenuidade em termos de linguagem audiovisual, ele teve uma repercussão muito boa”, diz. A animação recebeu prêmio de melhor curta no festival de Cabo Frio, foi exibido em diversos festivais nacionais e acumula mais de 600 mil visualizações em plataformas digitais.

Brasília é cenário para outros curtas, como Devaneios, que mostra a viagem psicológica de um motorista estacionado em uma quadra do Plano Piloto, e José, história de um senhor que espera a volta do filho. “Ele mora em um lugar que lembra os condomínios do Lago Sul, uma área rural que acabou sendo transformada pela presença do urbano.”

Reconhecimento
José foi o primeiro filme de Fernando selecionado para o Anima Mundi (Festival Internacional de Animação do Brasil), o maior do país, e foi uma das produções que entraram para a grade do festival no Canal Brasil. “Sou muito fã e sempre tive o sonho de participar. Fiquei extremamente feliz, emocionado, quando o filme foi aceito. Acho que é um reconhecimento inigualável do meu trabalho.”

Fernando é direto sobre os planos de fomentar a produção brasiliense. Para O sonho de Clarice, que assina junto com Cesar Lignelli, o animador pretende organizar cursos de capacitação e preparar profissionais para o trabalho. Ele destaca que a prática é comum em estúdios de São Paulo e Rio, que, apesar de maiores, também sofrem com a escassez de mão de obra qualificada.

“Meu sonho é contribuir para que Brasília realmente se transforme em um polo de animação. Para isso, a gente não pode terceirizar os trabalhos.” Ele ressalta que, hoje, o acesso à informação, a tutorias e a cursos de qualidade é muito maior .

Em 2015, Fernando produziu o Animecê (Festival de Animação do Cerrado), um embrião do Brasilia Animation Festival. A edição foi uma contrapartida para uma produção do animador, que organizou uma mostra na Galeria Alfinete e no Gama, onde os filmes foram exibidos em um trailer.

A transformação em BAF aconteceu pela insistência de outro companheiro, o também animador Fernando Nisio. “Eu estava desanimado, mas ele botou muita pilha e era o que eu precisava”, diz.

A dupla organizou duas edições com exibições, cursos e palestras gratuitos. “Não conseguimos realizar a terceira, mas planejamos concretizá-la em 2019. Queremos estimular a produção, viemos para somar o que o Anima Mundi já faz.”

“Meu sonho é contribuir para que Brasília realmente se transforme em um polo de animação”

Fernando Gutiérrez

Olha transformador

Pela lente de Alan Schvarsberg, o cinema é uma ferramenta de reflexão e deve englobar uma perspectiva política e social

Com participação em mais de 10 filmes, o diretor e diretor de fotografia Alan Schvarsberg não sonhava em trabalhar com cinema, não assistia a filmes com frequência, não cresceu cercado por referências, não foi aficcionado pelos clássicos. Graduado em jornalismo pelo UniCeub, Alan estudou ciências sociais na UnB, e enveredou para o audiovisual defendendo causas sociais, como a proteção do Santuário dos Pajés, alvo da especulação imobiliária no setor Noroeste.

“Fiz um percurso muito fluido. Quando me dei conta, estava trabalhando com cinema, pagando minhas contas com isso e me realizando profissionalmente”, conta. Aos 33 anos, se preparando para iniciar seu primeiro longa como diretor, Alan trilhou um caminho consistente, com trabalhos premiados, como o curta Ninguém nasce no paraíso, de 2015, que conta a história de gestantes impedidas de dar à luz em Fernando de Noronha.

A obra conquistou o prêmio de melhor curta-metragem pelo júri popular na Mostra Brasília, parte do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e o de crítica, no Festival Internacional de Cinema Ambiental (FICA). Também foi exibido em mostras estrangeiras, como Havana Film Festival e o GATTFEST Film Festival, na Jamaica.

Rodado com uma equipe de produção exclusivamente feminina, o curta é um exemplo da crescente participação das mulheres no cinema de Brasília. “Foram 20 dias de trabalho muito pesado, com pouco descanso. Os homens reclamam muito mais, até porque, se elas reclamarem, vão dizer que fazem isso porque são mulheres. Mas elas estão cada vez mais presentes e engajadas e esse filme é só um de muitos exemplos”, assegura.

Alan assina como diretor e diretor de fotografia em mais de 10 filmes – Crédito: Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press

Na edição deste ano do festival de Brasília, ele participa com três produções — o longa A roda da vida e os curtas O homem banco e Entre parentes. Alan assina a direção de fotografia de todas elas.

Com a carreira no cinema iniciada no videoativismo, tendo trabalhado em projetos do Centro de Mídia Independente (CMI), ele mantém o foco em perspectivas políticas, sociais e de luta por direitos. “Acredito realmente no cinema como ferramenta de transformação e em seu impacto na vida das pessoas. Tento seguir com um cinema crítico e reflexivo, que, de alguma maneira, mude a sociedade.”

Nascido no Rio de Janeiro, mas brasiliense de criação, Alan cresceu imerso pela consciência política e cultural que herdou dos pais. A infância livre pelas ruas de Brasília rendeu a ele um olhar observador e sensível, que pode ser percebido em seu trabalho. A transformação da cidade e dos hábitos, o crescimento do medo da violência e a construção de muros em busca de proteção são o tema do híbrido de ficção e documentário Gradear, cuja gravação está prevista para o início do próximo ano.

Tendo passado por várias áreas do cinema, ele encontrou, na direção de fotografia, um espaço para focar “na construção artística da narrativa por meio da câmera e da luz”. Foi nessa área que passou a receber mais convites de trabalho. “Busquei uma atuação no cinema em que as pessoas me chamassem, viessem até mim com seus projetos, e tive a sorte de ter recebido propostas interessantes”. Em 2017, ele concluiu um mestrado em direção de fotografia pela Escola Superior de Cinema e Audiovisual da Catalunha (Escac).

Limites
Alan também assina a direção de fotografia de O Processo, de Maria Augusta Ramos, documentário estreado neste ano, que mostra os bastidores do impedimento da presidente Dilma Rousseff. “Foram sete meses acompanhando o impeachment no Senado. Presenciar um jogo de cartas marcadas foi muito duro, tanto física quanto emocionalmente”, lembra.

O excesso de trabalho e a dedicação a projetos complexos levaram Alan a reavaliar prioridades em 2016. No mesmo ano, participou das gravações do documentário Voices of Children, que registra a perspectiva de crianças de cinco países sobre seus direitos. A iniciativa do World Forum Fundation, levou a equipe a Salvador, aos Estados Unidos, ao Quênia, à Singapura e à Índia.

“Na primeira noite em Nairobi, estava muito cansado, absolutamente exausto, e não conseguia dormir”, lembra. Enquanto os colegas de produção descansavam, Alan teve uma síncope convulsiva por estresse fisiológico e desmaiou. “Quando dei por mim, estava sentado, chacoalhando a cabeça, todo ensanguentado, batendo os dentes e vendo pedaços deles no chão.”

Depois de uma visita às pressas ao dentista, o desespero foi amenizado pela carência que viu nas ruas do país e pelo carinho que recebeu das crianças que participaram das gravações. Apesar de não ter impedido a continuação das filmagens, o episódio foi um divisor de águas. “Me fez aprender a colocar limites, parei de priorizar sempre o trabalho”, ressalta.

Desde então, a prática de escalada e a fuga para a natureza ganharam mais importância. Além de treinos semanais, ele faz escalada em pedras ao menos uma vez por semana e participa de campeonatos. “Ir para rocha, para lugares onde o celular não pega, ver o pôr do sol, ver a lua nascer, estar em absoluto contato com a natureza é terapêutico, um escape espiritual”, diz ele.

“Tento seguir com um cinema crítico e reflexivo, que, de alguma maneira, mude a sociedade”

Alan Schvarsberg

 

Para voos mais altos

Roteirista do curta A arte de andar pelas ruas de Brasília, vencedor de mais de 20 prêmios, Rafaela Camelo mira os longas-metragens

Quando o assunto era que carreira seguir, a brasiliense Rafaela Camelo, 32 anos, sempre soube que gostaria de estar na área da comunicação. “Sempre gostei de ler e escrever, achava que queria ser jornalista”, afirma. Atualmente, ela não atua como jornalista, mas isso não significa que o palpite inicial estivesse tão fora da realidade que lhe aguardava. À medida que o vestibular foi se aproximando, Rafaela descobriu outra possibilidade dentro do curso de comunicação: o audiovisual.Em 2004, ao ser aprovada para o curso de comunicação social da Universidade de Brasília (UnB), percebeu que poderia escolher entre jornalismo, publicidade e audiovisual para experimentar. Ainda sem muita convicção, optou pela última opção. “Eu pensei: qualquer coisa, eu mudo de novo”, relembra. Isso não aconteceu.A adolescente que cresceu entre as prateleiras da tradicional locadora de filmes LOC Vídeo se encontrou. Tímida, quieta e meio nerd, os filmes eram a maneira que ela encontrava de passar o tempo livre e aprender mais sobre determinados assuntos. “O meu fim de semana se resumia em ir à LOC, alugar cinco filmes, assistir, devolver e pegar outros cinco”, comenta.Apesar do interesse pelo assunto, suas escolhas eram feitas de maneira totalmente intuitiva. O proprietário da videolocadora sempre a acompanhava e fazia indicações, mas, muitas vezes, a escolha era baseada nas capas. Nem sempre as bonitas ou interessantes honravam sua expectativa. “Lembro que, uma vez, eu peguei Calígula, achando que ia me ensinar sobre a história romana, e era totalmente inadequado para a minha idade”, diverte-se.Rafaela garante que nunca se enxergou fazendo roteiros ou dirigindo filmes. Imaginava que seria produtora. Apenas no fim do curso ela decidiu se arriscar a escrever e dirigir. “A área é um pouco restrita. Então, às vezes, é difícil entender qual é o papel de cada um dentro de um filme. Eu demorei bastante tempo para descobrir qual área me agradava mais.”

Rafaela vai lançar O mistério da carne, seu novo curta-metragem, no Festival de Brasília – Crédito: Mariana Costa/Divulgação.

Premiação

O curta-metragem A arte de andar pelas ruas de Brasília foi um dos primeiros roteiros escritos por Rafaela. A ideia partiu de uma vivência pessoal dela com uma amiga. As duas estudavam em escolas diferentes, mas se encontravam diariamente no ônibus que passava pela W3.

“Foi um filme que circulou muito bem em diversos festivais, foi muito visto em Brasília e em festivais LGBT. As pessoas se identificaram muito com ele”, reconhece. Além disso, a obra ganhou em torno de 20 prêmios nacionais e internacionais.

Entre os projetos mais recentes, estão duas séries para televisão, nas quais Rafaela atua como roteirista ao lado de João Amorim. Manual de sobrevivência para o século XXI, com o ator Marcos Palmeira, foi exibida no canal CineBrasil TV. Já Belas raízes é uma série documental com a apresentadora Bela Gil, que ainda está em fase de desenvolvimento e será exibida no Canal Futura.

Simultaneamente, Rafaela se prepara para o lançamento de seu próximo curta, durante o Festival de Cinema de Brasília. Em O mistério da carne, a cineasta brasiliense volta a alguns temas de A arte de andar pelas ruas de Brasília, abordando o universo lésbico, a anorexia e a bulimia. “É um filme com o qual eu me identifico mais, acho que me soltei, trouxe referências de que eu gosto. Tem muito a ver comigo e estou ansiosa para mostrá-lo”, complementa.

Rafaela reconhece a influência da capital nas histórias que cria. “É a Brasília a que sempre recorro quando estou em busca de novas referências”, defende. Ela não se vê saindo da cidade e não enxerga a necessidade de fazer isso por razões profissionais.

Para Rafaela, Brasília tem muitas possibilidades. No momento, ela está se dividindo entre Brasília e São Paulo, onde faz um curso voltado à criação de longa-metragem.

“É a Brasília que sempre recorro quando estou em busca de novas referências”

Rafaela Camelo

Uma vida de dedicação

Sérgio Moriconi, nos últimos 25 anos, ajudou a disseminar a produção cinematográfica brasiliense e a fortalecer espaços culturais

Há cinco anos, Sérgio faz a curadoria dos filmes que são exibidos no Cine Brasília, um templo do cinema de brasiliense   –   Crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press.

Nascido no Rio de Janeiro, Sérgio Moriconi, 61 anos, veio para Brasília em 1960 para encontrar o pai, pioneiro que se mudou dois anos antes para participar da construção da cidade. “Me considero um brasiliense.”

Quando a família chegou, foram morar no núcleo habitacional da Papuda, onde estavam as cerâmicas que produziam os tijolos que foram usados para construir a capital. Depois, moraram no Plano Piloto durante anos, o que permitiu que a família frequentasse assiduamente o Cine Brasília, o Cine Cultura e a Escola Parque para assistir aos mais variados tipos de filmes.

Estudou o científico no Colégio do Carmo, que oferecia várias especialidades em artes, entre elas, cinema. Sérgio fez o curso e foi percebendo os primeiros indícios de uma vocação. Apesar disso, entrou na Universidade de Brasília para cursar arquitetura. Acabou com duas formações diferentes: é sociólogo e jornalista. Porém, a admiração pelo cinema continuou presente em sua vida.

“Conheci alguns professores da comunicação e eles me pediram para fazer um documentário sobre Ceilândia, assim fui me reaproximando do cinema.” Na faculdade de comunicação, fez o primeiro filme profissional, um curta chamado Carolino Leobas, que Sérgio fez sob a coordenação de Vladimir Carvalho e uma equipe maior.

Os curtas foram a maneira que ele encontrou de praticar o cinema. O primeiro emprego foi na Radiobrás, editando telejornais. Após um ano na empresa, recebeu um convite para participar da instalação do Centro de Tecnologia Educacional e desenvolver programas educativos para a Fundação Educacional, um projeto da Unesco.

Construiu uma carreira na Fundação, fazendo vídeos educativos, e se tornou professor de cinema no Espaço Cultural Renato Russo, por 20 anos. Paralelamente, ele produzia roteiros de filmes e escrevia críticas de cinema para o Correio e outros veículos da cidade. “Aos poucos, fui me orientando para o cinema”, afirma.

Sérgio Moriconi também escreveu um livro sobre o cinema local: Cinema de Brasília – apontamentos para uma história. Como profissional da área, Sérgio participou do roteiro do longa-metragem do cineasta André Luiz Oliveira, Louco por cinema, vencedor dos principais prêmios do Festival de Brasília de 1994. Em 1998, Sérgio escreveu o roteiro e dirigiu o curta Athos (documentário sobre o artista plástico Athos Bulcão), vencedor do Prêmio Especial do Júri do Festival de Brasília.

Cine Brasília
Durante muitos anos, o cineasta integrou a comissão curadora do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e participou de outras maneiras do grandioso evento: organizando seminários, participando dos júris de seleção e de premiação dos filmes. “Ao longo dos últimos 25 anos, eu sempre participei de alguma forma do Festival.”

Atualmente, ele não organiza mais o evento. Trabalha na Secretaria de Cultura e, desde que o Cine Brasília reabriu as portas, há cinco anos, Sérgio é o responsável pela programação cultural do local. “É um cinema com uma vocação cultural, exibe alguns filmes de maior público e filmes cults, que fazem parte do conceito de proporcionar uma programação de alta qualidade para a população”, ressalta.

Uma memória forte da época de adolescente – em que assistia a muitos filmes, mas não tinha tanto conhecimento da área – foi no festival de 1971, que ocorreu no Cine Atlântida, no Conic. Um dos filmes foi censurado e, no lugar dele, foi exibido o documentário Brasil Bom de Bola, que falava de futebol e mostrava o craque Pelé em ação. O menino achou o filme incrível e não entendeu quando as pessoas começaram a vaiá-lo. “Meu Deus, estão vaiando o Pelé”, pensou.

“É um cinema (o Cine Brasília) com uma vocação cultural: proporcionar uma programação de alta qualidade para a população”

Sérgio Moriconi

Um salto para a luz

Quando decidiu trocar o jornalismo pela carreira de ator, João Campos apostou no escuro. Deu certo. Ainda assim, ele continua por aqui

Com um troféu candango de melhor ator, João Campos atua no cinema, teatro e TV   –   Crédito: Diego Ponce de Leon/CB/D.A Press.

A carreira do ator João Campos, 34 anos, começou após um momento de muita dúvida e indecisão. João é formado em jornalismo pela UnB e trabalhou durante quatro anos na redação do Correio Braziliense, sempre conciliando as pautas com as peças de teatro. No fundo, ele já tinha percebido que o teatro o fazia mais feliz, porém o medo de largar tudo e se arriscar no mundo das artes cênicas o segurou por muito tempo.

Brasiliense, fruto da união entre pai goiano e mãe mineira, João reconhece o esforço constante dos pais para dar a ele e ao irmão uma condição de vida melhor do que tiveram na roça. Os servidores do Banco do Brasil garantiram aos filhos acesso a boas escolas, prática de esportes e aulas de violão. Essa última foi, ao olhar de João, o primeiro contato com a arte. “A música entrou de uma forma muito forte nas nossas vidas, montamos uma banda cover de Ramones e estávamos sempre tocando”, afirma. Ao longo dos anos, João participou de várias bandas e tocou os mais diversos estilos musicais.

Apesar dessa aproximação inicial com o mundo artístico, o ator garante que seu foco era apenas a música. Artes cênicas não eram um plano. “Eu era uma criança muito tímida, aquela que se esconde embaixo da mesa na hora do parabéns”, justifica.

O primeiro contato com o teatro foi aos 16 anos, quando namorava Marieta Cazarré, irmã do ator Juliano Cazarré, que já estava estudando na área.

A família Cazarré tinha o hábito de frequentar o teatro. João começou a acompanhá-los e, aos poucos, foi construindo a sua própria relação com o teatro, ainda que apenas como um espectador.

Quando começou a cursar comunicação social na Universidade de Brasília, João ainda estava envolvido com a música, mas fez alguns amigos que tinham um grupo de teatro e o convidavam para participar das peças de uma maneira mais técnica, fazendo trilha, operando luz e som.

Um dia, foi com o amigo Roberto de Martin assistir a uma peça no Teatro Garagem. Na saída, viram um cartaz de um curso de teatro com a Luciana Martuchelli. O Beto (como João o chama) sugeriu que os dois fizessem o curso. “Pensei: Será? Ator? Mas decidi fazer e aí lascou-se. Não parei mais”, brinca.

Teatro e cinema
“O teatro chega de uma forma muito voraz na vida”, analisa. Segundo João, no primeiro momento, existe uma dimensão quase terapêutica em atuar, e a mestra Luciana gostava de fazer exatamente esse aprofundamento. Foram, aproximadamente, quatro anos estudando com ela. João largou a banda, já estava em cena com os amigos da faculdade, foi se relacionando com os colegas que faziam audiovisual e tateando o teatro e o cinema amador.

Em 2012, já trabalhando como repórter, João tomou a decisão de largar o jornalismo. “Estava ficando difícil conciliar as agendas. Aos poucos, eu fui me preparando psicologicamente e financeiramente para dar esse passo”, explica.

João define essa mudança de vida como um verdadeiro salto no escuro, porque a carreira artística é complicada de ser construída. Entretanto, ele garante não ter arrependimentos. Em 2013, ele contratou um agente em São Paulo e começou a fazer testes para a televisão. Fez uma participação na série Felizes para sempre, da TV Globo, e interpretou o jornalista Elio Bataglia na novela A lei do amor.

No cinema, atuou em 18 produções, com destaque para os curtas-metragens Confinado, Tormenta e Cidade nova — este último lhe rendeu o Troféu Candango de Melhor Ator em curta e média-metragem em 2015. Destacam-se ainda a participação nos longas Faroeste caboclo, Os fins e os meios e O homem de barro, do qual fez também a direção de elenco.

Recentemente, participou da série Se eu fechar os olhos agora, também da Globo, ainda não exibida. Também está finalizando as gravações da série Mais leve que o ar, para a HBO, que conta a história do aviador Santos Dumont, além de ter atuado em tantas peças e filmes que fica díficil contar.

“Não acho que a minha carreira aconteceu de forma rápida, foi construída passo a passo. Eu sou o primeiro artista da minha família a assumir isso como profissão, nunca tive um trampolim.”

Mesmo com tantas gravações fora de Brasília, João ainda consegue manter sua casa na capital. Atualmente, mora em uma chácara e defende que essa ligação forte com a terra é uma herança dos pais.

“Gosto de lidar com essa questão ambiental, agrofloresta, permacultura. A escolha da chácara é um dos motivos por trás da escolha de ficar em Brasília.”

“Não acho que a minha carreira aconteceu de forma rápida, foi construída passo a passo. Eu sou o primeiro artista da minha família a assumir isso como profissão, nunca tive um trampolim.”

João Campos

Expediente

Diretora de Redação: Ana Dubeux

Editores executivos: Plácido Fernandes Vieira | Vicente Nunes

Editores: José Carlos Vieira | Cristine Gentil (especial para o Correio)

Reportagem: Gabriela Walker | Marina Adorno (especiais para o Correio)

Revisão: : Rosiley Bertini e Ailan Pedrosa

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Diagramação: Diego Alves

Capa: Maurenilson Freire

Foto da capa: Ana Rayssa/Esp.CB/D.A Press

Desenvolvimento Web: Bruno Rodrigues | Luiz Filipe Azevedo de Lima

 

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