Atacado duas vezes em poucos dias, político paulista rebate pedindo que o presidente da República governe mais e faça menos confusão
Israel Medeiro, Correio Braziliense
Em menos de uma semana, Jair Bolsonaro voltou a colocar João Doria no alto da prateleira dos seus desafetos políticos. No jantar com empresários, na capital paulista, na quarta-feira passada, o presidente não poupou xingamentos ao governador de São Paulo e, ontem, ao visitar uma família de refugiados venezuelanos em São Sebastião, no Distrito Federal, voltou à carga, chamando-o de “patife”. Nas duas oportunidades, Doria rebateu com bom humor e preferiu não inflar a polêmica. Nesta entrevista ao Correio, o ocupante do Palácio dos Bandeirantes classifica o chefe do Palácio do Planalto como alguém que dá importância a questões desimportantes, num momento em que o país vive a pior crise sanitária em mais de 100 anos. Explica, ainda, que o programa de ajuda aos necessitados em São Paulo tem diferenças importantes em relação ao auxílio emergencial do governo federal. E garante que o Instituto Butantan cumprirá o cronograma de entrega de vacinas fechado com o Ministério da Saúde.
O presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que, em uma eventual CPI da covid-19 no Senado, vai tentar culpar os governadores pela situação a que o país chegou nesta pandemia. O senhor teme alguma coisa? O que diria ao presidente diante dessas ameaças?
Faça mais gestão e menos confusão. O presidente Bolsonaro gosta de errar e gosta de fazê-lo permanentemente. Em vez de se concentrar em buscar soluções para a crise da saúde, a pior pandemia que se abateu sobre o Brasil nos últimos 100 anos, e a crise da economia, do meio ambiente, da educação, da pobreza, ele prefere mergulhar e criar a crise política, eleitoral e ideológica. É uma subversão de valores e de tempo. Ele se aplica ao que não é importante e despreza o que é substantivo.
O presidente participou de um jantar, na semana passada, organizada pelo empresário Washington Cinel, que é próximo do senhor. Como vê essa reaproximação de setores do empresariado com Bolsonaro?
O Washington Cinel tem todo direito, como empresário e cidadão, de fazer a opção que lhe abrace, que deseje fazer. Não condeno meus amigos pelas suas decisões políticas nem eleitorais. Não tenho amigos por razões eleitorais ou partidárias; os tenho por uma vida, uma existência, pelo convívio. Embora eu discorde dessa opção feita pelo Washington, não vou deixar de gostar dele, nem da mulher dele ou abrir mão do convívio que temos de mais de 20 anos de amizade. Agora, entendo como algo muito mais volúvel uma relação com o presidente e com o bolsonarismo do que algo com raízes, com profundidade. Mas respeito a opção não só do Cinel, como dos demais empresários. Eu diria que, daqueles que estavam no jantar, pelo menos 18 conheço muito bem. Não vou desrespeitá-los, sei que essa é uma situação momentânea. Meu sentimento é de relevar isso, não criar um distanciamento, nem transformar em inimigos quem tomou a decisão de aplaudir Jair Bolsonaro. Eu apenas lamento.
O presidente o insultou nesse jantar. Como o senhor recebeu as ofensas?
Eu fiz até um tuíte. Aquela é minha resposta. Eu fui insultado, mas eu dei uma resposta bem-humorada ao presidente. Falei: “Presidente, tenha calma, eu vou lhe dar as vacinas: vacina do Butantan contra a covid-19, que, aliás, sua mãe tomou aqui em São Paulo. E vou lhe dar também a vacina antirrábica, que o Butantan também produz”.
O programa Bolsa do Povo foi anunciado na mesma semana em que o governo federal retomou o auxílio emergencial. Foi provocação? Há alguma semelhança entre eles?
O Bolsa do Povo não foi feito, não foi inspirado nem tem nenhuma relação com o programa Auxílio Emergencial, do governo federal. Nós o construímos desde o ano passado. Estávamos buscando a integração de programas — ou seja, como fazer para integrar vários programas sociais do governo de São Paulo e agregar valor com contrapartida. Aliás, o maior desafio foi esse. São Paulo tem uma situação saudável, estável do ponto de vista fiscal, porque fomos o único estado do Brasil que fez reforma fiscal.
Que diferenças o programa de São Paulo traz para o do governo federal?
O difícil era encontrar um mecanismo de benefício que pudesse ter contrapartida. O que nós não queríamos, aqui, era fazer um programa que dá dinheiro sem contrapartida alguma, como é o caso do auxílio emergencial. O Bolsa do Povo envolve uma contrapartida: as pessoas vão receber até R$ 500 e têm que trabalhar, dar expediente de até quatro horas por dia para fazer jus a esse benefício.
Sobre os insumos para a produção de vacinas do Instituto Butantan, o senhor conversou com o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, há poucos dias. A matéria-prima que atrasou, e impactou a produção, chega mesmo esta semana?
Primeiramente, não houve interrupção, houve conclusão. Pode parecer semântica, mas não é. Uma coisa é você concluir a produção, outra coisa é interrompê-la. O Butantan concluiu a produção com os insumos que já tinha recebido. Agora, receberá, no próximo dia 19, mais. Continuamos a produzir e a entregar mais vacinas para o PNI, o Programa Nacional de Imunização. Ainda depois do dia 12 teremos uma nova entrega de vacinas e, até o final deste mês, vamos entregar 46 milhões de doses, exatamente o que estava previsto. E depois, mais 54 milhões até 30 de agosto. Era para ser até 30 de setembro, mas estamos fazendo um esforço enorme para entregar até dia 30 de agosto.
Qual o motivo do atraso no carregamento?
Houve alguma circunstância relativa à orientação e à agilidade para liberação da exportação dos insumos, mas o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, foi muito atencioso e diligente. Ele me disse que, naquele mesmo dia, falaria com a Chancelaria. Dito e feito. Ele falou, o assunto foi resolvido e o embarque foi programado, ou seja, solução encontrada e viabilizada. Até o presente momento, não há motivos para se preocupar com as entregas do Butantan. O que está previsto para 30 de abril, as 46 milhões de doses, o Butantan me confirma que serão entregues dentro do período combinado. E esperamos que os 6 mil litros de insumos que vão chegar, em dois lotes de 3 mil, cheguem nas datas programadas e sem percalços para que o Butantan possa, no prazo necessário, fazer a operacionalização e o envase — operações em que é preciso pelo menos 10 dias seguidos para fazê-la.