Navin Singh Khadka*, BBC News Brasil
As negociações até agora se concentraram em pautas sobre como reduzir os gases de efeito estufa e como lidar com os impactos das mudanças climáticas. Mas há a expectativa de que outra questão ganhe importância: se os países altamente industrializados, que mais contribuíram para causar problemas climáticos e ambientais, deveriam reparar financeiramente os países que sofrem os impactos mais diretamente.
Desastres como enchentes, secas, furacões, deslizamentos de terra e incêndios florestais estão se tornando mais frequentes e intensos como resultado das mudanças climáticas, e os países mais afetados pedem ajuda financeira há anos para lidar com as consequências.
Isto é o que as palavras “perdas e danos” (“loss and damage”, em inglês) significam. O termo abrange tanto as perdas econômicas (casas, terras, fazendas ou empresas) quanto não econômicas (mortes de pessoas, locais culturalmente importantes ou biodiversidade).
Após intensas negociações durante dois dias e a apenas uma noite da abertura da COP27, os delegados concordaram em incluir a questão das “perdas e danos” na agenda oficial.
O dinheiro que os países mais pobres estão exigindo ultrapassam os US$ 100 bilhões por ano que os países mais ricos já concordaram em transferir para os países mais pobres, visando ajudar estes a:
• reduzir os gases de efeito estufa, algo conhecido como “mitigação” nas negociações climáticas;
• tomar medidas para lidar com os impactos das mudanças climáticas, a “adaptação”.
“As pessoas estão sofrendo perdas e danos causados por tempestades potencializadas, inundações devastadoras e derretimento de geleiras, e os países em desenvolvimento têm pouco apoio para se reconstruir e se recuperar antes do próximo desastre”, diz Harjeet Singh, chefe de estratégia global da ONG Climate Action Network International.
“São as comunidades que menos contribuíram para causar a crise que agora estão na linha de frente dos piores impactos.”
Quão grande é a fatura por perdas e danos?
Um relatório publicado pela Loss and Damage Collaboration, um grupo de mais de 100 pesquisadores e formuladores de políticas de todo o mundo, revelou que 55 das economias mais vulneráveis ao clima sofreram perdas econômicas de mais de US$ 500 bilhões entre 2000 e 2020. E isso poderia aumentar em mais US$ 500 bilhões na próxima década.
“Cada fração de aquecimento a mais significa mais impactos climáticos, com perdas nos países em desenvolvimento estimadas entre US$ 290 bilhões e US$ 580 bilhões até 2030”, escreveram os autores.
O documento destaca que o nível do mar nas Américas tem subido a um ritmo mais rápido do que no resto do mundo, especialmente ao longo da costa atlântica da América do Sul, no Atlântico Norte subtropical e no Golfo do México.
“A grande seca no centro do Chile já dura 13 anos. Essa é a seca mais longa na região em pelo menos mil anos, agravando uma tendência mortal e colocando o Chile na vanguarda da crise hídrica.”
O ano passado também registrou o terceiro maior número de tempestades nomeadas no Atlântico. Foram 21, incluindo sete furacões.
O Banco Mundial estima que entre 150 mil e 2,1 milhões de pessoas são a cada ano empurradas para a pobreza extrema na América Latina devido a desastres, incluindo aqueles causados pelas mudanças climáticas; e que cerca de 1,7% do PIB da região é perdido a cada ano devido a desastres relacionados ao clima.
“Vários países estão passando por secas mais profundas e prolongadas, por tempestades e inundações mais intensas que estão atrapalhando as atividades econômicas e afetando os meios de subsistência”, diz o banco.
“No Uruguai, por exemplo, os choques relacionados ao clima tornaram-se mais frequentes e intensos. As secas de 2017-18 e as perdas na agropecuária custaram cerca de 0,8% do PIB somente em 2018.”
O planeta viu um aumento médio da temperatura global de 1,1°C em comparação com o período pré-industrial.
Os países mais pobres e menos industrializados defendem que o impacto do clima extremo prejudica qualquer progresso que façam em termos de desenvolvimento econômico. Alguns apontam que se encheram de dívidas ao tomar empréstimos para reconstruir o que foi danificado e perdido.
Desde quando se discute o pagamento de perdas e danos?
Sete anos atrás, o inovador Acordo de Paris reconheceu a importância de “evitar, minimizar e lidar com perdas e danos associados aos efeitos adversos das mudanças climáticas”. Mas nunca foi decidido como fazer isso.
“Perdas e danos continuam sendo um tópico bastante tóxico e tivemos discussões muito, muito acaloradas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento”, diz Jochen Flasbarth, secretário do Ministério de Cooperação e Desenvolvimento Econômico da Alemanha.
“Havia preocupação entre os países desenvolvidos de que isso pudesse se tornar uma obrigação legal para grandes emissores (de poluentes). Isso sempre foi uma linha vermelha para a maioria dos países desenvolvidos.”
Alguns negociadores da COP27 disseram que os países ricos queriam deixar claro que não aceitariam qualquer responsabilidade ou obrigação de pagar indenização por perdas e danos, algo a que os países em desenvolvimento se opuseram fortemente. Finalmente, foi acordado que o tema será apenas discutido na conferência atual. No próximo ano, na COP28 em Abu Dhabi, espera-se uma decisão provisória e, em 2024, uma decisão conclusiva sobre a questão.
“Exigimos financiamento regular, previsível e sustentável para lidar com as crises que algum país em desenvolvimento sofre quase todos os dias”, defendeu Alpha Oumar Kaloga, negociador-chefe do Grupo Africano, em uma reunião nas Nações Unidas.
Singh, da Climate Action Network, demonstra reprovar a postura dos países ricos.
“Na verdade, é uma traição à confiança a forma como os países ricos encurralaram os países em desenvolvimento para aceitar uma linguagem que mantém os poluidores históricos a salvo de compensações e responsabilidades, sem oferecer qualquer compromisso concreto de apoiar as pessoas e os países vulneráveis”, afirma.
Os países desenvolvidos apontam que já existem mecanismos previstos por convenções do clima anteriores que contemplam as demandas dos países em desenvolvimento — enquanto estes consideram que nenhum organismo e convenção existente hoje é apropriado.
Representantes do Grupo Africano e da Aliança dos Pequenos Estados Insulares (Aosis) têm pressionado para a criação de uma nova agência dedicada à reparação financeira, mas Jochen Flasbarth, da Alemanha, afirma que essa proposta talvez não consiga apoio suficiente.
Na prática, já houve problemas tanto com as instituições financeiras que liberam o financiamento climático quanto com os países que o recebem. A burocracia das agências financeiras internacionais faz com que os fundos demorem muito para serem disponibilizados. E, em alguns dos países receptores, há problemas de má governança e corrupção.
Houve algum progresso no período anterior à COP27?
Durante a COP26, a Escócia prometeu pouco mais de £ 1 milhão em fundos para perdas e danos. No mês passado, a Dinamarca anunciou que contribuiria com US$ 13 milhões.
E na semana passada, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo foco no pagamento a países em desenvolvimento e a priorização de doações sobre empréstimos.
Além disso, o G7 (Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) e o V20, um grupo de 55 países vulneráveis, concordaram recentemente em lançar uma iniciativa chamada Escudo Global contra os Desastres Climáticos, que pretende arcar com perdas e danos por meio de um sistema de seguro.
A Aosis demonstrou desconfiança em relação à iniciativa, argumentando que o V20 não tem nem metade dos membros da Aosis.
https://www.bbc.com/ws/av-embeds/cps/portuguese/geral-63593520/p0dfgsg1/pt-BRLegenda do vídeo,
Perdas e danos: a ‘conta climática’ que pode recair sobre países ricos
“O G7 deve falar com todos nós, e não apenas com os países que selecionou”, disse o principal negociador de finanças climáticas do grupo, Michai Robertson.
*Texto publicado originalmente no site da BBC News Brasil