Quando o Rio de Janeiro foi escolhido em 2009 para sediar a Olímpiada de 2016, o clima era de grande entusiasmo. Seria, aparentemente, uma grande oportunidade de divulgar o Brasil, atrair investimentos e turismo internacional
Nathalia Passarinho / BBC News Brasil
Imagens do ex-presidente Lula e do ex-jogador de futebol Pelé pulando de alegria e até chorando circularam nos meios de comunicação. Três anos antes, em 2006, o Brasil já havia sido escolhido para ser sede da Copa do Mundo em 2014.
Com esses dois megaeventos internacionais, o país seria notícia no mundo todo. E foi. Mas, contrariamente ao senso comum, essa “ampla divulgação” provocou efeito inverso do esperado: marcou o início da derrocada da imagem do Brasil no exterior.
Pelo menos é o que revelam dados obtidos pela BBC News Brasil da pesquisa Anholt-Ipsos Nation Brands, que mede a percepção das pessoas sobre os países em áreas como governança, exportação, cultura e população.
O estudo, encomendado pelo consultor britânico de políticas públicas Simon Anholt, é feito desde 2005 por uma das maiores empresas de pesquisa de opinião pública do mundo, a Ipsos Mori.Pule Talvez também te interesse e continue lendo
Anholt, que já atuou como conselheiro de governantes de 56 países, disse à BBC News Brasil que a Olimpíada e a Copa do Mundo serviram de publicidade negativa ao Brasil porque o mundo passou a conhecer mais sobre a pobreza, a desigualdade social, a violência e a corrupção existentes no país.
Por quase dez anos, o Brasil vivenciou “estabilidade” na sua marca externa, ou seja, na forma como era visto pelo mundo. No entanto, justamente nos anos em que o país sediou os dois grandes eventos esportivos internacionais, houve uma piora acentuada na percepção externa em relação ao país, conforme os dados da pesquisa Nation Brands.
Mas como isso aconteceu?
Holofote sobre o Brasil mostrou ‘demais’
Simon Anholt explica que quando um país sedia jogos de envergadura internacional, o noticiário do mundo inteiro passa a fazer matérias sobre a nação-sede. Nesse bojo, entra de tudo: aspectos da história, política, segurança, economia etc. Ou seja, no caso do Brasil, as reportagens jogaram os holofotes não apenas nos aspectos positivos, como cultura e belezas naturais, mas também nos problemas econômicos e sociais.
Em 2014, ano da Copa do Mundo, o Brasil vivia o início de uma prolongada crise econômica. Em 2016, ano da Olimpíada do Rio de Janeiro, a Operação Lava Jato avançava, implicando políticos de peso no esquema de corrupção da Petrobras. Enquanto isso, o Senado estava prestes a confirmar o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
A ampla divulgação do Brasil durante os dois campeonatos internacionais ajudou a derrubar, segundo Anholt, uma imagem “mistificada e irreal” que grande parte do mundo tinha do país — de aberto, tolerante, alegre e voltado à música e ao futebol.
“A Copa do Mundo e a Olimpíada foram, de certa maneira, um despertar para a realidade das ideias afetivas que as pessoas tinham do Brasil”, disse à BBC News Brasil.
“Havia, pelo menos fora da América, uma ideia romântica equivocada do tipo de país que o Brasil é, focado no futebol, samba, cachaça.”
Anholt diz que o fato de a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 terem sido eventos bem-sucedidos, sem intercorrências graves, não mudou em nada o impacto negativo que os holofotes provocaram.
O Brasil gastou mais de R$ 41 bilhões para fazer a Olimpíada do Rio de Janeiro e outros R$ 26 bilhões para a Copa do Mundo.
“As pessoas já esperam que os eventos sejam bem-sucedidos. O que surpreendeu as pessoas foram as evidências da pobreza, desigualdade, violência, corrupção. E elas meio que não estavam esperando por isso”, diz Anholt, que é autor de seis livros sobre marca e imagem internacional dos países. “O mito do Brasil era o de que ele seria um país muito mais desenvolvido e progressista. Eu me refiro à percepção fora da América Latina.”
O que mostram os dados
O Brasil figura na posição 30 do ranking Nation Brands, que mede a percepção no exterior de 50 países, entre os quais Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Brasil e Argentina. A Alemanha é o país mais bem avaliado, seguido pelo Reino Unido.
Para fazer a lista, são ouvidas mais de 20 mil pessoas de todas as faixas etárias, poder econômico e nacionalidades. Elas respondem a 50 perguntas sobre diferentes aspectos de um país — de qualidade do governo a belezas naturais e turismo. O recorte representa 70% da população mundial e 80% da economia global.
Os resultados não são divulgados ao público — são vendidos a governos e grandes empresas. Mas Anholt compartilhou com a BBC News Brasil dados relativos ao Brasil.
Desde 2008, o país possuía uma “nota geral” estável, mas no ano da Copa do Mundo houve uma queda forte na percepção das pessoas sobre o Brasil em todos os aspectos, inclusive “cultura”, que é a área de melhor pontuação.
Em 2015, houve uma leve recuperação, mas a Olimpíada de 2016 provocou uma deterioração ainda maior na imagem do Brasil no exterior, principalmente no quesito “governança”, que avalia a competência de um governo nacional e a percepção internacional sobre o seu comprometimento com questões globais, como paz, segurança, desigualdade e meio ambiente.
Simon Anholt explica que o mesmo fenômeno ocorreu na África do Sul, que sofreu queda acentuada na sua “marca internacional” após a Copa do Mundo de 2010. O evento, assim como a Copa e a Olimpíada realizados no Brasil, foi um “sucesso”. Mas as horas e horas de reportagens sobre o país africano deterioraram a sua imagem, em vez de promovê-lo no imaginário mundial.
“Quando tem Olimpíada e Copa do Mundo, a imprensa internacional vai a esse país e tem que preencher a grade de notícias entre os jogos. E o que eles fazem é mostrar o país-sede e a cidade-sede. São horas e horas de vídeos sobre o país, e as pessoas assistem”, destaca Anholt, que também é professor de Ciência Política da Universidade de East Anglia, no Reino Unido.
“O conhecimento sobre Brasil e África do Sul era limitado e, em alguns casos, romantizado, entre o público internacional. Mas agora elas estão vendo o Brasil e a África do Sul e pensam: ‘meu Deus, esses são países em desenvolvimento, com pobreza, violência e corrupção’. E a imagem se deteriora em função disso.”
Queda ainda maior com o governo Bolsonaro
Desde a última queda acentuada na sua imagem internacional em 2016, o Brasil iniciou uma recuperação. Mas, de 2019 em diante, após o início do governo Jair Bolsonaro, a “marca” ou imagem externa do país parece ter entrado em queda livre, conforme os dados do Nation Brands.
“A derrocada na imagem partir de 2019 é a mais significativamente negativa já registrada pelo Nation Brands Index. Isso tem correlação com o governo Bolsonaro, reação do governo à pandemia e ao furor internacional diante das queimadas na Amazônia”, explica Anholt.
O pior desempenho do Brasil é no quesito governança, que mede a percepção sobre a competência do governo — o Brasil figura em 44º no ranking nesse tópico. O melhor desempenho é em “cultura”, que mede a apreciação do mundo à música, filme, esporte, arte e literatura de um país. Nessa área, o Brasil aparece na décima posição no ranking.
Segundo o consultor de políticas públicas britânico, líderes nacionalistas como Donald Trump, Bolsonaro ou Viktor Órban, da Hungria, podem ser populares em seus países, mas não costumam gozar de boa imagem internacional.
“Em geral, pessoas não gostam de líderes com o estilo do presidente Bolsonaro. Domesticamente, pode haver um apelo, mas internacionalmente eles não costumam ser populares”, diz.
“Se formos comparar com Trump, ambos os líderes usavam o mesmo ‘manual’ e Trump era dramaticamente impopular no exterior, embora fosse muito popular entre parte da população americana.”
A BBC News Brasil encaminhou e-mail para o Itamaraty pedindo comentário sobre essas declarações e sobre o resultado do Brasil no ranking e aguarda resposta.
Efeito pandemia
A postura negacionista do governo federal brasileiro diante da gravidade da pandemia também contribuiu, segundo Anholt, para prejudicar a “marca Brasil” em 2020.
“Em geral, as pessoas não estão tão interessadas assim em como outros países lidam com a pandemia, elas querem saber da pandemia no próprio país. A não ser que haja algo que chame muita atenção. E, nesse caso, novamente há o fator Bolsonaro”, diz o professor de política.
“Você tem um presidente que, aparentemente copiando Trump, diz que isso não é nada, é um mito, é uma trapaça. E isso é chocante. Essas são as questões que afundaram a imagem do Brasil. Não é algo permanente, mas levará tempo para uma recuperação.”
Imagem está piorando entre jovens estrangeiros
Um fenômeno que o Nation Brands Index capta é que a imagem do Brasil no exterior está se deteriorando mais rapidamente entre os jovens, principalmente por causa da posição atual do governo Bolsonaro em relação a direitos de minorias e proteção da Amazônia.
O discurso do presidente de abrir a floresta para a mineração e de minimizar desmatamento e queimadas teve um impacto forte entre o segmento de 18 a 29 anos, diz Anholt. Essa faixa etária é a que posiciona o Brasil pior no ranking de “governança”, em 45º entre 50 países.
“O entendimento claro é que Bolsonaro não promoveria um diálogo construtivo com a comunidade internacional sobre proteção do meio-ambiente. E, recentemente, a imprensa internacional mostrou horas e horas de imagens de árvores na Amazônia queimando”, lembra.
“Foram imagens poderosas. Principalmente entre os jovens a bandeira da luta contra mudanças climáticas é cada vez mais forte.”
Qual o impacto de ter uma imagem externa ruim?
Segundo Simon Anholt, a imagem de um país no exterior tem impacto profundo em diferentes aspectos — de turismo e atração de investimentos externos, ao poder de influenciar decisões políticas no cenário internacional.
“A imagem de um país afeta até mesmo a capacidade de fechar acordos. O Reino Unido ou a União Europeia pode, por exemplo, não se empenhar em fechar um acordo comercial com o Brasil porque os jovens eleitores desaprovam a conduta do governo brasileiro em relação à Amazônia”, exemplifica.
É o que está ocorrendo com o amplo acordo comercial negociado entre o Mercosul e a União Europeia. Em vários países europeus, a aprovação da proposta nos parlamentos sofre resistência por causa da imagem negativa da política ambiental do governo brasileiro.
Mas Anholt enxerga o “despertar” do mundo para a realidade do Brasil, iniciado na Copa do Mundo de 2014 e na Olimpíada de 2016, como “positivo a longo prazo”.
“De certa forma, ainda que seja prejudicial à imagem, é bom que as pessoas comecem a enxergar o Brasil de maneira mais complexa e adulta”, diz.
“Os EUA sempre apresentaram essa imagem do Brasil como sendo de festa constante. E tudo bem para algumas coisas, mas isso não é bom se você é a Embraer e se você tem ambição de ser uma economia séria no cenário mundial.”
Além disso, diz Anholt, a pressão internacional pode favorecer a que o Brasil “corrija rumos” em questões de importância global, como proteção ambiental.
“O Brasil agora está sendo observado e julgado. E no momento está sendo julgado severamente no governo Bolsonaro”, avalia.
“Acho que a festa acabou no que diz respeito à imagem do Brasil no exterior. Embora isso seja triste e crie pressões econômicas, no longo prazo será uma coisa boa. Já é hora de o mundo reconhecer o Brasil como algo mais que apenas Carnaval de rua.”