Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras

Livros estão reunidos em caixa especial, produzida e lançada pela FAP e Boitempo neste mês de maio
Lançamento | Arte: FAP
Lançamento | Arte: FAP

Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP

Um dos grandes intelectuais e entusiastas de uma política cultural pioneira para o Brasil, Astrojildo Pereira (1890-1965) teve seus cinco livros revistos, ampliados e reunidos na nova coleção batizada com o seu nome, lançada neste mês em celebração aos 100 anos da história do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual ele foi fundador e primeiro secretário-geral. Outra obra do historiador Martin Cezar Feijó completa o conjunto de seis títulos.

A coleção foi lançada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editora Boitempo, com nova padronização editorial e atualização gramatical. As obras são: URSS Itália Brasil (1935), Interpretações (1944), Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (1959), Formação do PCB: 1922-1928 (1962) e Crítica impura (1963). A biografia O revolucionário cordial, de Martin Cezar Feijó, completa o conjunto de obras.

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URSS Itália Brasil

URSS Itália | Arte: FAP

“Em suma, a realidade brasileira é a da exploração econômica e da opressão política em que vivem as classes laboriosas, operários da indústria e da lavoura, colonos e pequenos lavradores, artesãos e intelectuais pobres, todos sem exceção jungidos ao capitalismo estrangeiro — ou diretamente nas empresas imperialistas, ou indiretamente por intermédio do capitalismo ‘nacional’. Realidade axiomática, que dispensa demonstração, porque é sentida e sofrida por 99,9% da população brasileira. Realidade-mater, de cujos flancos nascem todas as realidades de um país riquíssimo habitado por uma gente pobríssima”. (Trecho da obra)

Publicada pela primeira vez em 1935, com textos lançados na imprensa de 1929 a 1934, a primeira obra de Astrojildo foi URSS Itália Brasil. O livro é imprescindível para estudiosos dos anos de 1930. Naquela época, o Brasil passava por uma fase de consolidação do Estado centralizado após a chamada Revolução de 30. O comunismo e o fascismo eram poderosas forças que se contrapunham no contexto geopolítico.

Os textos de Astrojildo Pereira registram importantes depoimentos do período e levam ao leitor um rico material de informação e análise sobre a formação do Estado soviético, as condições do fascismo italiano e as contradições intelectuais e políticas do Brasil da primeira metade do século 20.

Interpretações

Interpretações | Arte: FAP
Interpretações | Arte: FAP

“Sem dúvida, nem tudo são misérias e desgraças no Nordeste; nem é só no Nordeste que existem misérias e desgraças. Elas existem em todas as regiões do Brasil, de Norte a Sul; existem igualmente em todos os países do mundo, em grau menor ou maior. Já sabemos disso. Mas o de que se trata, nessa questão dos romancistas do Nordeste, é que eles são por vezes acusados de nos seus livros só retratarem a cara feia e dolorosa da miséria nordestina. Demais de injusta, semelhante acusação a meu ver peca pela insensatez e pelo pedantismo”. (Trecho da obra)

A obra Interpretações inclui textos redigidos entre 1929 e 1944, ano em que foi lançada. Com positiva repercussão pela crítica e pelas instituições culturais, o livro foi incluído no Summary of the History of Brazilian Literature, programa de divulgação cultural que colocava Astrojildo ao lado de autores consagrados como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.

Interpretações está dividido em três partes: Romances Brasileiros, História política e social e Guerra após Guerra. Obras de diversos romancistas nacionais estão abordadas na primeira parte. Entre eles estão Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Lima Barreto e Graciliano Ramos.

A segunda parte analisa as mudanças históricas da formação brasileira, como o debate sobre a abolição da escravatura, durante o Segundo Reinado. Na terceira e última parte, Astrojildo aborda as questões internacionais, como a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial, além de refletir sobre os deveres do intelectual brasileiro diante do conflito mundial.

Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos

Machado de Assis | Arte: FAP
Machado de Assis | Arte: FAP

“Assim como o coração tem razões que a razão desconhece, poderíamos talvez dizer que a razão ou o gênio tem sentimentos que o coração desconhece. E nisto reside, ao que suponho, a essência do problema do ‘bom’ e do ‘mau’ Machado de Assis. Era Machado de Assis um homem bom, um homem mau? O ponto preliminar a esclarecer neste caso é o seguinte: o fato de botar a nu a crueldade, a dissimulação, a hipocrisia, as pequenas vaidades e os secretos apetites de homens e mulheres observados na sociedade, e revividos em contos e romances, significa que o psicólogo, que estuda e desnuda o caráter alheio, seja ele próprio portador das taras e defeitos que analisa?” (Trecho da obra)

Lançado pela primeira vez em 1959, o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos é considerado um dos trabalhos mais importantes e conhecidos de Astrojildo Pereira. Nelas, o intelectual analisa a vida e obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira, revelando um escritor perspicaz, crítico atento e sensível e um romancista com forte sentido político e social.

No ano do centenário de fundação do PCB, a obra é relançada, também, com a inclusão de alguns textos. As introduções das edições passadas foram suprimidas, e novos foram incorporadas, com exceção no caso do escrito de José Paulo Netto.

Quase 30 anos depois da redação de Astrojildo: política e cultura, Paulo Netto retomou o seu texto e preparou uma nova versão que abre a presente edição como seu prefácio. O historiador Luccas Eduardo Maldonado assina a orelha. As ilustrações de Claudio de Oliveira utilizadas na terceira edição foram mantidas na atual.

Alguns anexos foram incorporados, como a crônica A última visita, de Euclides da Cunha (1866-1909), na qual relata a visita de Astrojildo Pereira ao leito de morte de Machado de Assis. Outro incremento foi Machado de Assis é nosso, é do povo, do fundador do PCB, publicado em novembro de 1938 na ocasião dos 30 anos do falecimento do Bruxo do Cosme Velho.

O texto apareceu originalmente na Revista Proletária, periódico vinculado ao PCB que tinha uma circulação extremamente restrita devido à ditadura do Estado Novo. Um artigo do militante comunista Rui Facó (1913-1963), intitulado Em memória de Machado de Assis, foi anexado.

Esse texto apareceu originalmente em 27 de setembro de 1958 no Voz Operária, jornal oficial do comitê central do PCB, e fazia uma homenagem ao fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) no cinquentenário de sua morte. Por fim, inclui-se também uma resenha de Machado de Assis de Astrojildo, escrita por Otto Maria Carpeaux, intitulada Tradição e Revolução

Formação do PCB

Formação do PCB | Arte: FAP
Formação do PCB | Arte: FAP

“O Congresso de fundação do Partido não foi coisa realizada de improviso, mas resultou de um trabalho de preparação que durou cerca de cinco meses. Por iniciativa e sob a direção do Grupo Comunista instalado no Rio a 7 de novembro de 1821, outros grupos se organizaram, nos centros operários mais importantes do país, com o objetivo precípuo de marchar para a fundação do Partido. Tinha-se em vista estabelecer certos pontos de apoio nas regiões onde havia alguma concentração de massa operária. Compreendia-se, por outro lado, que o Partido devia ter desde o início um caráter definido de partido político de âmbito nacional” (Trecho da obra)

Principal articulador da fundação do PCB em março de 1922, Astrojildo Pereira escreveu, ao longo dos anos, para jornais e revistas, uma série de textos sobre os fatos que marcaram a fundação do partido. Em 1962, quando se comemorava os 40 anos da fundação do partido, reuniu os melhores artigos e notas sobre a história da legenda e os publicou com o título Formação do PCB 1922/1928.

Nesse conjunto de textos, Astrojildo Pereira apresenta as lutas operárias desde os últimos anos do século 19 e a criação das bases que possibilitaram a fundação do partido. Reúne também muitas de suas memórias daqueles anos e uma série de contribuições às revistas Movimento Comunista, A Classe Operária e A Nação, veículos dos quais ele esteve à frente e com que colaborava regularmente.

Crítica impura

Crítica impura | Arte: FAP
Crítica impura | Arte: FAP

“Lima Barreto não era um marxista, longe disso, e nem se pode vislumbrar nos seus escritos nenhum pendor para trabalhos e estudos teóricos que o levassem a uma adesão plena às concepções filosóficas do marxismo. Desde jovem se afizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes. Nascido, no entanto, de família pobre, vivendo sempre na pobreza e no meio de gente pobre, fez-se escritor por vocação — escritor honesto e consciente da sua condição”. (Trecho da obra)

Editado originalmente, em 1963, Crítica impura foi o último livro publicado por Astrojildo. É uma das cinco novas edições de obras lançadas em vida pelo fundador do PCB. A obra reúne textos publicados originalmente em diferentes jornais e revistas e selecionados para compor três eixos temáticos.

A primeira parte é dedicada à literatura, com estudos sobre a vida e obra de autores como Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, José Veríssimo e outros. Nesse momento, pode-se ver a produção que colocou Astrojildo Pereira entre os principais críticos literários brasileiros.

A segunda parte aborda a China comunista. Nela, Astrojildo Pereira analisa uma série de relatos de viagens sobre o país asiático feitos durante os anos 1950 e 1960. Apresenta-se, então, um militante comunista atento ao processo revolucionário chinês que havia ocorrido há pouco. O último eixo aborda as vinculações entre política e cultura, contextos de intervenção pública que marcaram a trajetória política do intelectual em diversos debates centrais do Brasil na metade do século 20.

O revolucionário cordial

O revolucionário cordial | Arte: FAP
O revolucionário cordial | Arte: FAP

“Astrojildo, aos 37 anos de idade, atravessou de trem o centro do país até a cidade de Corumbá, no Mato Grosso, para depois então, de automóvel, se encontrar nas proximidades da fronteira com o líder tenentista – na verdade capitão que havia em pouco tempo se transformado em general – Luís Carlos Prestes, também conhecido como o ‘Cavaleiro da Esperança’. Astrojildo foi bem recebido pelo revolucionário, que queria notícias do Brasil, e deu uma entrevista para o jornal tenentista que promoveu o encontro. Prestes também ficou com os livros sobre teorias revolucionárias que o líder trazia em suas bagagens. O revolucionário exilado, após ter atravessado o país com uma coluna de soldados dispostos a transformarem o quadro de miséria e atraso do Brasil, leu com atenção aqueles livros todos, e considerou aquele visitante um mensageiro que trazia uma nova possibilidade para seu anseio de transformar o mundo e não apenas derrubar um governo. E este encontro levou Astrojildo a receber uma das maiores e mais fortes críticas dentro do partido, de ser “prestista”. Esta foi uma das justificativas de sua expulsão do PCB, depois de ter sido destituído do cargo de secretário-geral, em 1931”. (Trecho da obra)

A obra O revolucionário cordial é uma tentativa de interpretação da trajetória do intelectual Astrojildo Pereira por meio de seus escritos e sua comunicação, principalmente aquela impressa em livros. O trabalho do historiador Martin Cezar Feijó busca apresentar os escritos militantes do fundador do PCB, marcados por profunda tensão entre a revolução e a modernidade, no período que compreende a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e o fim da Segunda Guerra (1939-1945).

O livro analisa a proposta de construção de uma política cultural levantada por Astrojildo Pereira. O projeto de alfabetização proposto por ele levava em conta a cultura popular e preferia chamar à luta um setor da sociedade civil rebelde às imposições do Estado: os intelectuais. Investimento na formação intelectual, moral e estética de todas as pessoas, em condições iguais e democráticas. É a origem de um projeto de política cultural de um revolucionário que leva em conta a memória dos afetos e das dores do país, apontando para um futuro melhor, apesar das adversidades.

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