Clóvis Rossi: Que a realidade eduque Bolsonaro

Ele já teve duas aulas, a do Egito e a de Macron.
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ele já teve duas aulas, a do Egito e a de Macron

O general Juan Domingo Perón (1895-1974), três vezes presidente da Argentina, sempre por meio de eleição direta, produziu uma coleção de frases interessantes. Destaco uma: “A realidade é a única verdade”.

Torço para que a realidade aos poucos eduque Jair Bolsonaro para as verdades do mundo, para além de seus preconceitos, paixões e desinformação.

A primeira aula foi dada pelo Egito, que não chega a ser um dos países mais poderosos do mundo, ao cancelar viagem do atual chanceler, Aloysio Nunes Ferreira Filho, como represália pelo anúncio de Bolsonaro de que transferiria a embaixada brasileira para Jerusalém.

O impulso do presidente eleito ignora realidades. Primeira realidade: os países muçulmanos são grandes importadores de proteína animal do Brasil e poderiam ficar furiosos com a transferência da embaixada.

Logo, qualquer pessoa que pensasse antes de falar se perguntaria: o que o Brasil ganha com a mudança? Nada, a não ser, eventualmente, um afago de Donald Trump, o que não é nem remotamente suficiente para amenizar os problemas do Brasil.

Se é ruim para os negócios com os árabes mudar a embaixada para Jerusalém, mantê-la em Tel Aviv não atrapalha os negócios com Israel. Tanto não atrapalha que um dos raros acordos de livre comércio que o Mercosul tem é justamente com Israel, firmado em 2010 (governo Lula, portanto), que jamais pensou em instalar a embaixada em Jerusalém.

Agora, veio uma segunda lição: Emmanuel Macron, o presidente francês, disse, ao chegar a Buenos Aires: “Não sou a favor de que se assinem acordos comerciais com potências que não respeitem o Acordo de Paris”.

É uma alusão ao acordo entre o Mercosul e a União Europeia, uma negociação que se arrasta há uns 20 anos.

Como se sabe, em outro momento de falar sem medir consequências, Bolsonaro ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris, o mais sólido movimento para conter a mudança climática em nível tolerável.

O que o Brasil ganharia se de fato saísse do acordo? Nada, a não ser o desprezo dos 174 países que o assinaram e que são praticamente todos os do mundo (agora com a exceção dos Estados Unidos de Trump).

Ganhariam apenas os fanáticos que negam que haja uma ameaçadora mudança climática. De novo, agradaria Trump que despreza até estudos científicos do seu próprio governo.

Treze agências federais do governo americano emitiram há dias um relatório em que diziam que, a menos que sejam dados passos significativos para controlar o aquecimento global, o dano provocado nos Estados Unidos cortará 10% da economia americana até o fim do século.

A menos que Bolsonaro e os fanáticos em torno dele achem que todos os cientistas são perigosos comunistas, o mais prudente é trabalhar com todos os países possíveis para mitigar os efeitos da mudança climática.

A cooperação internacional e multilateral é essencial para um país como o Brasil. Pendurar-se na perspectiva de alinhamento automático com os EUA —o que Bolsonaro rejeitou dias atrás— é um caminho que não foi seguido nem pela ditadura brasileira, que o presidente eleito acaricia e que se instalou com apoio americano.

A realidade é mais complexa que ideias simplistas.

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