Cláudio de Oliveira: A Revolução Russa e o fascismo

A Revolução de Novembro de 1917 na Rússia e a de Novembro de 1918 na Alemanha aprofundaram a divisão dos militantes socialistas em duas correntes principais: o movimento comunista e a social-democracia. Para Palmiro Togliatti, líder do Partido Comunista Italiano, tal divisão facilitou a vitória do fascismo em vários países e especialmente do nazismo na Alemanha
Foto: Reprodução/Google
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A Revolução de Novembro de 1917 na Rússia e a de Novembro de 1918 na Alemanha aprofundaram a divisão dos militantes socialistas em duas correntes principais: o movimento comunista e a social-democracia. Para Palmiro Togliatti, líder do Partido Comunista Italiano, tal divisão facilitou a vitória do fascismo em vários países e especialmente do nazismo na Alemanha [1]. A tomada de poder em novembro de 1917 foi uma ação excludente realizada pelos bolcheviques. Eles derrubaram o governo provisório de Alexander Kerensky, formado pelo Partido Trabalhista (trudovique) em aliança com o Partido Socialista Revolucionário (SR), o Partido Constitucional Democrático (cadetes) e os mencheviques do Partido Operário Social Democrata Russo.

Vladimir Lenin, líder bolchevique, criticava a repressão do governo provisório aos seus partidários após promoverem, em julho daquele ano, uma tentativa de insurreição. Ao mesmo tempo, acusava Kerensky de não agir com firmeza contra o general monarquista Lavr Kornilov, que tentara um golpe de Estado em setembro. Lenin argumentava que o general Kornilov estaria na iminência de tentar outro golpe e por isso os bolchevique agiram [2].

Lenin refutara não só um governo em aliança com liberais. Recusara também um governo de frente popular, de união de todas as correntes socialistas russas, proposto pelo menchevique Julius Martov, no dia seguinte ao levante. Martov avaliava que um governo conjunto de bolcheviques, trudoviques, mencheviques e SRs teria força suficiente para enfrentar a contrarrevolução kornilovista e evitar a guerra civil [3].

Lenin montou um governo quase que exclusivamente formado pelos bolcheviques, concedendo dois ministérios sem importância à ala esquerda dos SRs. Manteve as eleições para a Assembleia Constituinte, anteriormente convocadas por Kerensky. Porém, os bolcheviques ficaram em minoria ao obterem 24% dos votos, contra 40% dados aos SR, 5% aos cadetes e 3% aos mencheviques. Dissolveram a assembleia, baniram os demais partidos e instituíram um sistema unipartidário, dominado pelo que viria a ser o Partido Comunista da União Soviética.

Segundo o historiador Eric Hobsbawm, havia entre as correntes socialistas moderadas da Europa boa vontade com o novo governo soviético. Os socialistas avaliavam que os bolcheviques eram a única força política capaz de organizar o caos na Rússia e que poderiam realizar uma política democrática e progressista. Todavia, retiraram-lhe o apoio quando Lenin decidiu fundar, em 1919, a Internacional Comunista em oposição à Internacional Socialista e incentivar a dissidência das alas radicais dos partidos socialistas para fundar os partidos comunistas [4].

Ao organizarem a insurreição na Rússia, Lenin e seus partidários partiam do pressuposto de que havia uma situação revolucionária em toda a Europa, com a crise provocada pela I Guerra Mundial. Entendiam a revolução na Rússia como a fagulha que detonaria um rastilho de pólvora por todo o continente. Para Lenin, a sobrevivência do novo poder soviético dependia da realização da revolução mundial. Como os bolcheviques acreditavam que os partidos socialistas havia abandonado o caminho revolucionário, organizaram a Internacional Comunista. Tentaram exportar a experiência da revolução soviética para a Polônia, Hungria e Alemanha, mas foram derrotados. Diante do fracasso, em 1925, Nikolai Bukharin passou a formular a possibilidade de construção do socialismo em um só país, afinal implementada por Josef Stalin.

A Revolução Alemã de 1918

Os bolcheviques, que passaram a se denominar de comunistas, creditaram o fracasso da revolução mundial aos socialistas moderados, em especial ao Partido Social Democrata Alemão (SPD, na sigla em alemão). Ocorre que os social-democratas alemães avaliavam que a realidade de seu país era diferente da situação da Rússia, país predominantemente agrário, de uma burguesia industrial sem forças econômica e política e de instituições frágeis. Já a Alemanha tornara-se, já em 1900, o país de maior produção industrial do mundo, com uma burguesia organizada e poderosa. Mesmo que o numeroso proletariado alemão também estivesse bem organizado, apoiado nos sindicatos e no SPD, àquela altura o maior partido do país, qualquer tentativa de tomada de poder em moldes bolcheviques esbarraria na resistência do forte Exército alemão, com apoio do grande empresariado.

Diante desse fato, o SPD optou por uma estratégia reformista de acúmulo de forças dentro da democracia representativa. A ação da social-democracia alemã teria mais a ver com o que Antônio Gramsci, dirigente do PCI, chamaria mais tarde de “guerra de posições” do que de “guerra de movimento”, implementada pelos bolcheviques. Ademais, teóricos social-democratas, como Karl Kautsky, estavam convencidos de que o exercício do poder pelos socialistas deveria ser necessariamente democrático, em um ambiente de regime parlamentar e pluripartidário. E para democratizar o país, os dirigentes socialistas estavam convencidos da necessidade de aliança com os partidos democrático-liberais centristas.

O SPD liderou a Revolução Alemã de Novembro de 1918. Com a derrota para a França na I Guerra Mundial, o Kaiser Guilherme II foi forçado a abdicar e a República foi proclamada. O social-democrata Friedrich Ebert foi nomeado chanceler (primeiro-ministro) e foram convocadas eleições à Assembleia Constituinte para 19 de janeiro de 1919.

Pela primeira vez, as mulheres alemãs tiveram o direito ao sufrágio. O SPD foi vitorioso com 37,9% dos votos; o Partido de Centro Católico, aliado do SPD, conquistou o segundo lugar, com 19,7%; o Partido Democrático Alemão (DDP, sigla em alemão), de liberais de esquerda e também aliado dos social-democratas, ficou em terceiro, com 18,5%. O Partido Popular Nacional Alema?o, de oposição de extrema-direita, alcançou o quarto lugar, com 10,3%; e o Partido Independente Social Democrata Alemão (USPD, sigla em alemão), de dissidentes de esquerda do SPD e que viria a se unir ao social-democratas, ficou em quinto, com 7,6%. Em 11 de agosto de 1919 foi promulgada a chamada Constituição de Weimar, a primeira da Europa a instituir direitos sociais. Iniciava-se assim a República de Weimar.

Contrário ao caminho reformista, democrático e parlamentar do SPD, o Partido Comunista da Alemanha (KPD, sigla em alemão), fundado em dezembro de 1918, adotou posições de extrema-esquerda e decidiu boicotar a eleição à Constituinte, apesar de seus dois principais líderes, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, defenderem a participação no pleito. Em 5 de janeiro de 1919, o KPD promoveu um levante armado em Munique, numa tentativa de instaurar uma república soviética na Baviera. Os comunistas foram reprimidos pelo governo de Friedrich Ebert. As forças oficiais contaram com ajuda de um grupo paramilitar de nacionalistas de extrema-direita, as Freikorps, que, em Berlim, foram responsabilizados pelos assassinatos de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg, marcando de forma definitiva os ressentimentos entre comunistas e social-democratas na Alemanha. Mas, o ultraesquerdismo do KPD foi criticado até mesmo por radicais como Lenin, em sua obra Esquerdismo, doença infantil do comunismo, de 1920.

A teoria do “social-fascismo”

Lenin morreu em 1924 e a Internacional Comunista, presidida por Grigori Zinoviev, adotou uma política ziguezagueante. No início, chegou a defender a unidade das correntes socialistas contra o fascismo. Porém, a partir de julho de 1928, a teoria do “social-fascismo” prevaleceu na IC e na maioria dos PCs. Em 1924, Zinoviev havia definido a social-democracia como a “ala esquerda do fascismo”. Stalin chegou a escrever que o fascismo e a social-democracia não eram inimigos, mas irmãos gêmeos. Na sua visão, a social-democracia era até mais perigosa, pois enquanto o primeiro queria a “ditadura aberta da burguesia”, a segunda iludia a classe operária e a desviava do caminho da revolução. Para a IC, a social-democracia era agora o principal inimigo a combater.

A República de Weimar vivia grande instabilidade política decorrente de suas dificuldades econômicas. O Tratado de Versalhes, de 1919, que selou a rendição da Alemanha na I Guerra, dificultou a reconstrução do país ao exigir pesadas reparações. O governo alemão, para fazer frente aos gastos, imprimia dinheiro sem contenção, o que levou à histórica hiperinflação de 1923. Depois de uma recuperação com ajuda de empréstimos dos Estados Unidos e do Reino Unido, a crise de 1929 jogou Alemanha na Grande Depressão e provocou o desemprego de milhões de trabalhadores.

Durante todo o período, de 1918 a 1933, os governos da coalizão de Weimar, formados pelo SPD, Centro Católico e DDP, sofreram dura oposição dos extremos do espectro político: na extrema-direita, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores (NSDAP, sigla em alemão), mais conhecido como Partido Nazista; na extrema-esquerda, os comunistas do KPD. Com a crise, ambos os partidos experimentaram uma trajetória ascendente, enquanto os partidos situados entre os polos perdiam representação no parlamento. O social-democrata Friedrich Ebert, eleito presidente da República em 1919, morreu em 1925. Para o seu lugar, se elegeu o marechal Paul von Hindenburg.

O ponto crítico que determinou o fim da República de Weimar foram as eleições parlamentares de 1932. Na eleição de julho, o Partido Nazista ficou em primeiro lugar com 37,3% dos votos; o SPD em segundo, com 21,6%; o KPD em terceiro, com 14,3%; e o Centro Católico em quarto, com 12,4%. Sob a influência da teoria do “social-fascismo”, os comunistas alemães se recusaram a formar um governo com o SPD e o Centro Católico. Sem que os partidos democráticos conseguissem formar uma maioria e, assim, um novo governo, nova eleição foi convocada para novembro, com resultados semelhantes: Partido Nazista, 33,1% dos votos; SPD, 20,4%; KPD, 16,9%; Centro Católico, 11,9%. Mais uma vez o KPD se recusou a formar um gabinete com os social-democratas e os liberais. Diante do impasse, pressionado pelos partidos de direita, o presidente von Hindenburg nomeou chanceler da Alemanha o líder do partido mais votado, o nazista Adolf Hitler, em 30 de janeiro de 1933. Menos de um mês depois, o parlamento alemão foi incendiado. Hitler culpou os comunistas, decretou Estado de emergência, colocou o KPD na ilegalidade e aprovou uma lei que lhe conferiu plenos poderes. Em seguida, os demais partidos foram proscritos, à exceção do nazista. A tragédia estava consumada: era o fim da República de Weimar.

A política de frentes antifascistas

Na Itália, os comunistas tomaram direção oposta à dos alemães. Fundado em 1921, a partir da ala radical do PSI, o PCI logo cedo afastou as alas de extrema-esquerda do partido. Em 1926, no seu III Congresso, o ultra-esquerdista Amadeo Bordiga foi destituído da chefia e os moderados, representados, entre outros, por Gramsci e Togliatti, passaram a liderar o partido. O jornal fundado ainda em 1924 por proposição de Gramsci, intitulado L’ Unità (A Unidade), não deixava dúvidas quanto aos objetivos dos novos dirigentes: a união das forças democráticas contra Benito Mussolini, do Partido Nacional Fascista, nomeado primeiro-ministro pelo rei Vittorio Emanuel III, em outubro de 1922. O regime ditatorial e repressivo de Mussolini inspirou Hitler a organizar o nazismo na Alemanha, a partir de 1933.

Togliatti será um dos grandes defensores das frentes antifascistas. Enquanto as frentes populares eram compostas exclusivamente pela esquerda, a frente antifascista na Itália passou a ter um caráter de frente democrática: da resistência participaram não só comunistas e socialistas, como também liberais e católicos. Vários deles, membros da baixa hierarquia da Igreja, se afastaram das posições políticas da cúpula do Vaticano, simpática a Mussolini. Em 1929, o “Duce” assinou o Tratado de Latrão, dando à Santa Sé a soberania sobre o Estado do Vaticano e estabelecendo o catolicismo como religião oficial da Itália, condição que perdurou até 1978.

Em fins de 1932, o PC francês, liderado por Maurice Thorez, aceitou se reunir com os socialistas franceses para debater uma frente única. A IC criticou os comunistas franceses por se sentarem com um “social-traidor”. Apesar da oposição da IC, em julho de 1934, a Frente Popular da França se constituiu como uma forte aliança entre o PS, o PC e outros setores democráticos. Vitoriosa na eleição de maio de 1936, indicou o socialista Leon Blum como primeiro-ministro. Em 19 de fevereiro de 1933, a Internacional Socialista apelou à IC para a organização de frentes únicas contra o fascismo por todo o mundo [5]. Mas somente dois anos depois, em seu VII Congresso, de agosto de 1935, a IC apoiará a proposta, quando Togliatti, Thorez e o líder do PC búlgaro, Georgi Dimitrov, convenceram Stalin da necessidade de amplas alianças contra o fascismo.

Todavia, em agosto de 1939, a unidade entre comunistas, socialistas, social-democratas e liberal-democratas ficou a abalada com a divulgação do Pacto Molotov-Ribbentrop, um acordo de não-agressão entre a Alemanha nazista e a União Soviética. Em 1º de setembro, a Polônia foi invadida pelo lado ocidental pelos nazistas e a 17 de setembro pelo lado oriental pelos soviéticos. O Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha. Em junho de 1941, Hitler rompeu o acordo e invadiu a União Soviética. Nesse mesmo ano, após o bombardeio do Porto de Pearl Harbor pelo Japão, os Estados Unidos entraram na II Guerra Mundial. Formou-se então a ponderosa coligação dos aliados liderada pelos “três grandes”: os Estados Unidos, presididos pelo social-democrata Franklin Roosevelt; o Reino Unido, do primeiro-ministro e liberal-democrata Winston Churchill; e a comunista União Soviética, que terá papel decisivo na derrota do nazi-fascismo, porém com o custo altíssimo do sacrifício da vida de 24 milhões de cidadãos soviéticos, entre militares e civis.

O abandono da política antifascista

Após a vitória, pelo acordo para a formação das frentes únicas, seriam constituídos governos pluripartidários das forças antifascistas. Na economia, deveriam vigorar economias mistas, sendo nacionalizados apenas alguns setores estratégicos. Assim, na Europa oriental, os comunistas se comprometiam não com “ditaduras do proletariado”, mas com o estabelecimento de “democracias populares”, de governos pluripartidários das frentes antifascistas.

Mas, em 1947, com o início da confrontação da Guerra Fria, que opôs os EUA e a URSS na arena mundial, a política antifascista foi abandonada. Naquele ano, na Itália, a Democracia-Cristã, liderada pelo primeiro-ministro Alcide De Gasperi, excluiu o PCI e o PSI do governo. No Leste, Stalin obrigou a fusão dos PSs aos PCs, com as novas organizações sob o controle dos comunistas: na Alemanha oriental, o SPD foi obrigado a se fundir ao PC, surgindo o Partido Socialista Unificado da Alemanha. Na Polônia, o Partido Socialista se juntou-se ao Partido Operário, comunista, nascendo o Partido Operário Unificado da Polônia. Na Hungria, a fusão do Partido Social Democrata com o PC resultou no Partido dos Trabalhadores Húngaros. Os liberais passaram a ser perseguidos; os social-democratas, socialistas e comunistas que se opuseram à unificação forçada de seus partidos foram perseguidos, presos, fuzilados ou exilados. Em 1951, na Tchecoslováquia, onze membros do Comitê Central do PC tcheco que resistiram às ordens de Stalin foram executados, entre eles, o seu secretário-geral, Rudolf Slánský. Em alguns lugares, os stalinistas colocaram comunistas para dirigir partidos aliados e manter um multipartidarismo de fachada. Na Romênia, usaram de corrupção para subornar líderes partidários aliados a se submeterem ao comando do PC [6].

Toda tentativa de saída do isolamento político e de abertura a uma economia mista foi reprimida pelos soviéticos. Mesmo com a desestalinização, após a publicação do relatório de Nikita Kruchev, de fevereiro de 1956, no qual o novo líder do PCUS denunciava os assassinatos de Stalin, a repressão continuou. Em novembro de 1956, a Hungria foi invadida pela União Soviética e o primeiro-ministro, o comunista reformista Imre Nagy, deposto. Em 1958, depois de um julgamento secreto, Nagy foi condenado à forca e executado. Na Tchecoslováquia, a chamada Primavera de Praga de 1968, de democratização do socialismo e de abertura econômica, também foi reprimida pelas tanques soviéticos. Um dos atos do líder do PC tcheco, Alexander Dub?ek, que mais irritou a URSS foi o acordo de cooperação econômica assinado com o então ministro das relações exteriores da Alemanha ocidental, o social-democrata Willy Brandt [7].

Mais tarde, em 1987, o último líder soviético, Mikhail Gorbachev, reconhecerá que a URSS errou ao incentivar a confrontação da Guerra Fria, levando a inúmeros conflitos regionais e a um clima de anticomunismo no Ocidente, em vez de apostar na negociação e em alianças políticas capazes de isolar as forças reacionárias e belicistas e favorecer a um clima de livre debate de ideias em todo mundo. Segundo Gorbachev, a mentalidade de confrontação levou a União Soviética a pensar mais em soluções militares, obrigando o país a investir pesadamente no orçamento bélico e na corrida armamentista, tirando recursos para o desenvolvimento econômico e tecnológico do país e para o bem-estar do seu povo [8]. Suas tentativas de reformar o sistema soviético não prosperaram. Gorbatchev foi derrubado por um golpe de Estado organizado pelos comunistas presos à tradição bolchevique, precipitando o esgotamento da experiência iniciada com a Revolução de Novembro de 1917 e o colapso da URSS, em 1991.

Curiosamente, na Itália, o PCI foi dos poucos a perseverar na política de frente antifascista no pós-guerra. Mesmo fora do governo em 1947, Togliatti manteve o diálogo com a DC na Assembleia Constituinte, com o objetivo de finalizar a Constituição democrática da Itália, em 1948. Quando os comunistas foram excomungados pelo Papa Pio XII, Togliatti manteve a mão estendida à Igreja Católica, traduziu e publicou o livro Tratado sobre a tolerância, obra de François-Marie Arouet Voltaire, de 1763. A permanente abertura ao entendimento permitiu que, posteriormente, com o Concílio Vaticano II, iniciado em 1962 pelo Papa João XXIII, jovens católicos de esquerda se filiassem ao PCI. Quando então se discutiu a possiblidade de formação de uma coalizão entre a DC e o PSI, Togliatti afirmou que o PCI apoiaria tal governo, mesmo estando fora dele.

Na década de 1970, Enrico Berlinguer, um dos sucessores de Togliatti, morto em 1964, proporá ao primeiro-ministro democrata-cristão Aldo Moro um governo conjunto do PCI, da DC e do PSI. O chamado “compromisso histórico” contou com a simpatia de Moro, sequestrado e assassinado em 1978 pelas Brigadas Vermelhas, grupo terrorista de extrema-esquerda. No parlamento italiano, uma comissão criada para investigar o caso levantou suspeitas de infiltração nas Brigadas Vermelhas de membros da Gladio, organização de apoio aos serviços secretos, com o objetivo de evitar a participação dos comunistas no governo da Itália, país membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, Otan, a aliança militar ocidental. Com o fim da experiência do socialismo soviético, o PCI se constituiu no hoje Partido Democrático, absorvendo remanescentes do PSI e da ala social-reformista da DC. Atualmente o PD governa a Itália em meio a uma onda de ressurgência da extrema-direita na Europa. Não por acaso, um dos textos mais conhecidos de Togliatti, escrito em 1935, tem exatamente o título de Lições sobre o fascismo.

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Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista.

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Notas

[1] Mondaini, Marco. Do stalinismo à democracia. Palmiro Togliatti e a construção da via italiana ao socialismo. 1. ed. Rio de Janeiro: Fundação Astrojildo Pereira e Contraponto Editora, 2011.

[2] FIGES, Orlando. A tragédia de um povo. A Revolução Russa 1891-1924. Rio de Janeiro: Record, 1999.

[3] GETZLER, Israel. Martov – A Political Biography of a Russian Social Democrat. Cambridge Univesity Press/ Melbourne University Press, 2003.

[4] Hobsbawm, Eric. A era dos extremos. O breve século XX. 1. ed. São Paulo: Companhia de Letras, 1995.

[5] CARONE, Edgar. Brasil, anos de crise, 1930-1945. São Paulo: Ática, 1991.

[6] PERALVA, Osvaldo. O Retrato. São Paulo: Publifolha, 2015.

[7] Tchecoslováquia – Revista Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

[8] GORBATCHEV, Mikhail. Perestroika, novas ideias para o meu país e o mundo. São Paulo: Best Seller, 1987.

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