Se Bolsonaro não aceitar os “remédios amargos”, não haverá um novo programa de renda mínima mais amplo
Face às restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Orçamento da União para 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a criação do programa de renda mínima, o Renda Brasil, entraram em um beco sem saída. Uma situação que alimenta soluções extravagantes como a de estender o decreto de calamidade pública, cuja vigência é até dezembro, por mais um ano.
Essa é uma ideia que está na cabeça de algumas autoridades, fomentada pela segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa e pela dificuldade de a doença entrar em uma curva descendente aqui. Mas ela não consta do radar do ministro da Economia, Paulo Guedes.
A equipe técnica da área econômica e lideranças políticas, particularmente o relator do Orçamento e da PEC 188, senador Marcio Bittar (MDB-AC), estão enredados em meio aos vetos de Bolsonaro. O presidente afirmou que não vai “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, quando foi apresentado à proposta de fusão de vários programas sociais para financiar o Renda Brasil; e que pretende dar “cartão vermelho” a quem sugerir desindexar parte do Orçamento – o que significa não garantir reajustes automáticos às despesas hoje corrigidas por índices de preços ou pela variação do salário mínimo.
A proposta dos economistas oficiais era de desindexar os benefícios previdenciários, deixando-os sem reajustes, congelados, por dois anos.
Uma semana depois da histriônica reação do presidente, não há soluções alternativas muito diferentes das que foram apresentadas. Todas são remédios “amargos” de difícil digestão política, mas necessários dado o quadro de deterioração das contas públicas neste ano, com a pandemia.
Ou Bolsonaro recua do veto imposto aos três D da PEC 188 – desindexação, desvinculação e desobrigação – ou não haverá um novo programa de renda mínima, mais amplo e de maior valor do que o Bolsa Família, para contemplar, também, parte dos “invisíveis” que surgiram na busca pelo auxílio emergencial, salientam técnicos. Dados da Caixa Econômica Federal indicam que 66,2 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.
Aliás, o recuo deveria ir mais longe e pegar a proposta original do Renda Brasil, que seria financiado pela fusão dos vários programas sociais dispersos, claramente mal focados e pela desindexação de despesas orçamentárias. Aí se incluiriam o abono salarial, seguro-desemprego, salário-família, tal como sugeriu o economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do bem-sucedido Bolsa Família e que está ajudando o governo na montagem do programa de renda mínima.
Tal fusão envolveria também o Bolsa Família – que já foi resultado da junção de outros programas sociais – e renderia uma soma considerável de recursos, em torno de R$ 100 bilhões, segundo estimou. Somente o Bolsa Família tem orçamento para o ano que vem de R$ 34,9 bilhões.
O governo tem focado muito no corte de gastos e falado pouco de medidas destinadas a aumentar a receita tributária diante de uma taxação mais justa da renda dos verdadeiramente ricos. Nesse aspecto, há desde a instituição de uma alíquota de 35% para tributar rendas mais elevadas – inclusive as originárias de lucros e dividendos – até cortes de deduções do Imposto de Renda que beneficiam a classe média, tais como despesas médicas e gastos com educação.
Renda Brasil e Carteira Verde Amarela se complementam.
A ideia é garantir a renda do trabalhador em até um salário mínimo. Assim, se no mercado de trabalho com a Carteira Verde Amarela o empregado consegue receber no máximo R$ 800 por mês, o Renda Brasil entraria complementando o salário até o valor de um mínimo, atualmente de R$ 1.045.
O projeto de criação dessa nova carteira de trabalho, livre de impostos e contribuições, terá que ser reenviado ao Congresso Nacional, já que a proposta anterior caducou sem ser votada.
Tomando como um dilema já resolvido que o governo respeitará a lei do teto de gastos e que a PEC 188 estabelecerá os gatilhos para o corte de despesas quando o gasto chegar a um determinado patamar, falta agora Bolsonaro decidir quem vai pagar o programa de renda mínima. Ele pretende criar o Renda Brasil mais amplo, em substituição ao Bolsa Família para, com ele, embalar seu projeto de reeleição.
Cabe ao chefe de governo arbitrar esse conflito distributivo e o tempo para isto está ficando curto. A indecisão revela uma falta de apetite para dirimir conflitos e isso chega aos mercados como uma insegurança total a respeito dos rumos da política fiscal do governo.
Os sinais ruins estão à vista: as taxas de juros longas estão subindo dia a dia e o prazo da dívida pública mobiliária se encurta, em um claro temor de que não haverá rigor fiscal. Daí para queimar o ministro da Economia é um pulo. Os sinais são um alerta de que o governo tem que mostrar o que vai fazer para trazer as contas públicas de volta a patamares aceitáveis de financiamento.
Tática presidencial
Começa a se firmar entre os principais assessores da área econômica a percepção de que há uma tática na reação do presidente a medidas politicamente sensíveis. Ele as descarta sem dó, deixando os seus proponentes perdidos, soltos no ar. Mas, tal como está acontecendo com a criação da nova CPMF -o imposto sobre transações digitais, que Bolsonaro condenou totalmente e agora, diante dos fatos, começa a aceitar -, avalia-se que o processo de aceitação será construído também com as medidas de financiamento do Renda Brasil.
No caso do imposto sobre transações, o governo quer vendê-lo como uma “substituição tributária”, no lugar da desoneração parcial da folha de salários das empresas. Com uma alíquota de 0,2% nos débitos e crédito, o novo tributo financiaria a desoneração horizontal da folha. Esta seria integral até um salário mínimo e, a partir daí, deverá haver um corte na alíquota de contribuição previdenciária de 20% para 15% ou 10%.