O Congresso, que vive de “migalhas”, tem função nobre
O “Plano B” do ministro da Economia, Paulo Guedes – que é desvincular e desindexar todo o orçamento da União – pode vir a se transformar em “Plano A”. Desde que lançou, no discurso de posse, a ideia do “Plano B” na hipótese do Congresso não votar a Previdência, Guedes tem sido incentivado a prosseguir nesse debate mesmo se a reforma for aprovada, pois ele revolucionaria as leis orçamentárias e, com elas, os costumes na política.
Prefeitos, governadores, ministros do Tribunal de Contas da União (TCU), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), quando se informam da extensão e dos impactos de uma medida dessa natureza, se entusiasmam. “Essa é uma forma de criar um novo modo de se fazer política no Brasil”, disse o ministro no discurso de posse.
Vários dos seus interlocutores o tem aconselhado a levar adiante a discussão mesmo depois de aprovada a nova Previdência.
O plano alternativo de Guedes significa atribuir ao Congresso Nacional sua real função: controlar o Orçamento e estabelecer prioridades na alocação dos recursos públicos. As receitas dos impostos extraídos da população devem voltar para ela sob a forma de prestação de serviços públicos eficientes que sirvam para reduzir as desigualdades crônicas do país.
Hoje, como se sabe, cerca de 96% do Orçamento da União é carimbado, tem as receitas vinculadas legalmente ou constitucionalmente a despesas pré-determinadas.
Uma parte vai para a saúde (cujo orçamento é indexado à receita), outra para a educação (que indexou à inflação), além de gastos com abono salarial, seguro-desemprego, subsídios, pagamento de salários do funcionalismo e das aposentadorias do INSS (trabalhadores do setor privado), do RPPS (servidores públicos) e dos militares. Essas são as grandes contas.
A história conta que o embrião da lei orçamentária surgiu na Inglaterra quando o rei João Sem Terra teve que, no ano de 1215, assinar a Carta Magna, pressionado pelos barões feudais para limitar o poder do rei de criar impostos. Os barões que integravam o “Conselho Comum” colocaram no início do artigo 12 da Carta o seguinte texto: “Nenhum tributo ou auxílio será instituído no reino, senão pelo Conselho Comum (…)”. As exceções ficaram por conta de algumas despesas palacianas.
É claro que essa imposição gerou conflitos, mas fincou-se alí o princípio de que impostos só podem ser criados com o consentimento do Parlamento. A prática espalhou-se por outras nações e foi aperfeiçoada. O orçamento passou a ser importante peça da política econômica dos países. A questão orçamentária está, portanto, ligada umbilicalmente ao nascimento do Parlamento.
No Brasil, porém, subverteu-se os procedimentos.
De um Orçamento anual da ordem de R$ 1,5 trilhão, deputados e senadores têm direito de decidir sobre não mais do que R$ 10 bilhões. O Congresso Nacional cuida das migalhas.
Em recente encontro com prefeitos, depois de explicar o “Plano B”, Guedes ouviu de vários a pergunta: “Onde é que eu assino isso aí?”.
Dirigentes da Frente Nacional dos Prefeitos que estiveram com o ministro relataram o que acontece, na vida real, com o dinheiro carimbado que recebem para aplicação compulsória em saúde e educação. Um deles contou que na cidade que comanda a população envelheceu e precisa com urgência de mais ambulâncias, mas o dinheiro que sobrou é o da educação.
Se ele usar esse recurso na saúde, o Tribunal de Contas do Estado (TCE) vai puni-lo, embora não haja um caso em que o tribunal puniu o governador que quebrou seu Estado.
É tão absurda a situação que o déficit no ano passado poderia ser maior do que os R$ 130 bilhões registrados. Isso ocorreu porque uma parte do dinheiro ficou ‘empoçada’.
Na linguagem dos técnicos isso significa que a verba foi liberada pelo Tesouro Nacional mas os ministérios não conseguiram gastá-la. Os dados oficiais, divulgados pelo Tesouro, apontam um “empoçamento” de R$ 7,3 bilhões no encerramento do exercício de 2018, explicado pela “rigidez alocativa” do Orçamento.
É totalmente legítimo, correto, defender a destinação prioritária de recursos para educação e saúde no Brasil. O que não é certo é estabelecer na Constituição de 1988 uma vinculação draconiana do uso do dinheiro público, a ponto de uma cidade precisar de mais recursos para a saúde, mas a verba disponível na gaveta do prefeito tem que ser aplicada na educação ou vice-versa.
Não são raros os casos em que os prefeitos pintam as escolas no início do ano e dão outra mão de tinta no fim do ano, para cumprir integralmente o orçamento destinado à educação. Guedes defende um novo pacto federativo, que inverta a concentração de recursos na União – é no município que se exerce a democracia -e libere os governos locais de amarras tresloucadas.
Com mais um ano de engessamento de 96% do Orçamento da União não será possível cumprir a lei do teto, tem alertado o ministro. Só o déficit da Previdência, que é a maior despesa, cresce quase R$ 50 bilhões por ano.
“Estamos indo em uma velocidade vertiginosa em direção ao caos. Sem a reforma da Previdência, vou me declarar incapaz de ajudar”, disse ele em recente jantar com empresários e jornalistas, patrocinado pelo site Poder 360.
O caos será, na sua descrição, assistir o colapso da política fiscal com a explosão do teto da despesa, da inflação e um “calote” na dívida interna, caso não se aprove a nova Previdência.
Estimulado por políticos e por autoridades do Poder Judiciário, o ministro pediu a técnicos que rascunhem uma proposta de emenda constitucional (PEC) para desvincular, desindexar e descentralizar o Orçamento da União.
Na hipótese de conseguir do Congresso tanto a aprovação da reforma da Previdência quanto da PEC do “Plano B”, o Brasil vai crescer 5% a 6% ao ano. Com seu jeito eloquente, ele exagera: “Vamos dormir no Brasil e acordaremos na Alemanha!”.