Área econômica estuda o uso de reservas cambiais para financiar retomada
O plano de recuperação da economia no pós coronavírus exigirá do Estado investimentos pesados que, somados às medidas recentes de socorro às empresas e aos empregados, além do auxílio de para os trabalhadores informais, elevará substancialmente os gastos públicos. Técnicos da equipe econômica avaliam, em cálculos preliminares, que a dívida bruta poderá sair do patamar de 75,8% do PIB, registrado no ano passado, para a faixa entre 85% e 90% do PIB neste ano.
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) está encarregado de preparar um plano de recuperação da economia nos moldes do Plano Marshall – que era oficialmente chamado, nos Estados Unidos, de Programa de Recuperação Europeia, que financiou a reconstrução dos países aliados nos anos que se seguiram à Segunda Guerra.
Com o esperado processo de “desglobalização”, na medida em que as economias que hoje sofrem com a pandemia devem se fechar, o governo pretende recompor as cadeias produtivas no mercado doméstico; patrocinar investimentos em infraestrutura na linha das PPP (Parcerias Público Privadas) e do PPI (Programa de Parceria de Investimentos); e reforçar a rede de proteção social para socorrer os novos desempregados.
Para financiar a recuperação da economia o governo pensa, sim, em usar um pedaço das reservas cambiais. Em recente conversa por videoconferência com um grupo de senadores, o ministro da Economia, Paulo Guedes, mencionou a possibilidade de vender uns US$ 70 bilhões das reservas internacionais para dispor de mais de R$ 350 bilhões, que ajudariam substancialmente a reduzir a conta do endividamento público gerado pela pandemia do coronavírus. Se a dívida chegar ao patamar de 90% do PIB, terá crescido em um ano pouco mais de R$ 1 trilhão.
Aliás, Guedes salientou que no ano passado vendeu US$ 30 bilhões das reservas e ninguém comentou ou notou.
Quem torce o nariz para essas conversas é o presidente do Banco Central, Roberto Campos, que, até por dever de ofício, não gosta de misturar política fiscal com a gestão monetária. As reservas são um ativo do BC cujo passivo são os títulos públicos emitidos para esterilizá-las, que hoje têm um custo mais baixo dada a queda da taxa básica de juros (Selic).
Os técnicos que defendem o uso de parte razoável das reservas (que totalizavam, ontem, US$ 341,2 bilhões) também não apreciam muito a ideia, mas “a dimensão da crise é assustadora e exigirá medidas excepcionais”, comentou uma fonte da área econômica.
Teme-se, muito, pelo risco da economia brasileira entrar em depressão. Pior do que a recessão, a depressão econômica caracteriza-se por um círculo vicioso de queda da renda, contração do crédito, do investimento, do emprego. Foi o que aconteceu nos anos 30, com a Grande Depressão, uma crise que começou com o “crash” na bolsa de Nova York que contaminou a economia mundial e cujo círculo vicioso só foi rompido com pesados investimentos feitos pelo Estado.
Hoje, na visão de economistas oficiais, há uma crise sistêmica, que atingiu em cheio os Estados Unidos – que continuam sendo a locomotiva do mundo. As projeções para o nível de atividade nos EUA vão de uma contração de 6% a até 20%, citou uma fonte.
“O pessoal não está se dando conta de que o estrago na economia vai ser muito grande, rompendo cadeias produtivas no mundo”, completou. Nesse meio, o Brasil tem na agricultura um trunfo. É o único setor que poderá crescer neste ano. A expectativa é de uma expansão de 2,5%.
Na mesma videoconferência que teve com senadores na quinta-feira da semana passada, o ministro da Economia mencionou como possível uma recessão no país, com queda do PIB da ordem de 4%, a depender da duração do confinamento e da paralisia na atividade econômica.
Há quem considere esse prognóstico de Guedes já bem defasado “A devastação é gigantesca”, comentou a fonte do governo.
O ex-presidente do BC Arminio Fraga, em uma live na noite de quarta-feira, disse que o país deverá ter, neste ano, “uma grande recessão”, com queda de até 8% do PIB.
Obscena é a leitura da edição de terça feira do “Diário Oficial do Estado Rio de Janeiro”, que publicou a lei 8.793, sancionada pelo governador Wilson Witzel, autorizando o governo a alterar o Orçamento de 2020 para permitir revisão das remunerações dos servidores estaduais. Ainda não há informações sobre quanto vai custar o aumento de salários dos servidores do Rio, informa o colunista do Valor Ribamar Oliveira, na edição de ontem do jornal.
É necessário lembrar que outros entes da federação concederam, recentemente, reajuste salarial a seus servidores, como foi o caso de Minas Gerais, que, tal como o Rio, é um Estado falido que busca ajuda junto ao governo federal para pagar suas contas, inclusive as dos aumentos de salários.
Em meio a mais grave pandemia que o Brasil já viveu, com previsões catastróficas de recessão na economia por causa da paralisação das atividades em função do combate ao coronavírus, governadores quebrados, pressionando o Tesouro Nacional por mais ajuda, querem espaço no orçamento para aumentar salários dos servidores!.
Isso soa como afronta aos trabalhadores do setor privado que estão tendo que aceitar 25%, 50% e até 70% de redução dos salários em troca da permanência no emprego. Já foram assinados mais de 2,4 milhões de acordos dessa natureza desde a edição da medida provisória que autoriza a negociação direta entre empregados e empregadores e que normatiza, também, a suspensão temporária do contrato de trabalho.
Os parlamentares que votaram a favor da aprovação do plano de socorro a Estados e municípios, pela União, num valor de R$ 100 bilhões, sem qualquer condicionalidade, deveriam trabalhar, agora, para colocar uma cláusula nessa negociação, proibindo os governadores de aumentar salários por pelo menos um par de anos.
São os “caronavírus”, uma doença endêmica no Brasil, conforme cunhou o economista Marcos Mendes em artigo recente.