Afinal, o que é, para quem é e quanto custa o Renda Brasil?
A área econômica do governo já reduziu as expectativas de aprovação de temas importantes no Congresso para este ano. Passadas as eleições municipais, considera que será possível se institucionalizar o Renda Brasil no Orçamento da União para 2021, que deve ser aprovado até o fim de dezembro. As demais reformas constitucionais, seja a tributária, seja a do pacto federativo, seja a administrativa, ficarão para depois da eleição dos integrantes das mesas diretoras da Câmara e do Senado, responsáveis pela gestão dos trabalhos legislativos, em 1º de fevereiro. Esses são assuntos complexos sobre os quais não há acordo para serem votados, segundo avaliação política de assessores da pasta da Economia.
O ano de 2021 terá uma “janela” de oportunidades para o aprofundamento dos debates e dos entendimentos políticos para se levar esses temas à votação no Congresso. Caso contrário, não haverá mais espaço na agenda do governo para tratar de assuntos polêmicos em 2022, ano da sucessão presidencial – para onde os olhos de Jair Bolsonaro miram desde já.
Na ótica desses assessores, não haverá grandes embates para a aprovação de um programa de renda básica que “todos estão de acordo”.
Há, porém, um grande desconhecimento do que realmente se trata esse programa de transferência de renda. Fontes oficiais explicam que ele será um “upgrade” do Bolsa Família, mas não se sabe a extensão nem quais são os critérios para a inclusão de parte dos mais de 60 milhões de “invisíveis” que estão, hoje, sob o abrigo do auxílio emergencial.
Permanece indefinida, também, a fonte de financiamento do Renda Brasil (ou Renda Cidadã) e há quem se pergunte se é hora de lançar uma nova e ambiciosa iniciativa de transferência de renda dadas as frágeis condições fiscais do país. A economia está em pleno aquecimento e com decisões corretas do ponto de vista fiscal, haverá mais investimentos e geração de empregos.
O valor dos benefícios do Bolsa Família varia conforme a situação de pobreza ou de extrema pobreza das famílias que tenham em sua composição gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes de zero a 15 anos. O valor de cada benefício é de R$ 41 e cada família pode acumular até cinco por mês, chegando a R$ 205. Com o “upgrade”, a cifra chegaria a R$ 300.
No governo há o entendimento de que foi o auxílio emergencial a grande âncora de sustentação da atividade econômica que está permitindo uma recuperação em “V” (que representa uma saída rápida do fundo do poço para uma situação de crescimento), além de impulsionar a popularidade de Bolsonaro. O auxílio começou com três parcelas de R$ 600 prorrogadas por mais dois meses e que foram reduzidas para R$ 300 a serem pagas nos últimos quatro meses do ano. Retirar simplesmente essa renda das mãos de milhões de brasileiros a partir de janeiro do próximo ano poderia produzir, além de um problema social, um baque no nível de atividade, sustentam assessores.
A expectativa é de que o número de inscritos no programa caia substancialmente por força da retomada de postos de trabalho ou mesmo dos serviços informais.
Como não há clareza sobre o que é o Renda Brasil, teme-se que ele poderá simplesmente detonar o Bolsa Família tal como concebido e bem avaliado internacionalmente.
Também não está claro para os economistas do governo o quanto que a nova economia pós-pandemia gerará de empregos. Receia-se que seja pouco para abrigar o universo de desempregados durante a crise da covid-19.
E será menor ainda se o governo não olhar com mais cuidado sobre o que pretende para 2021. Enquanto os técnicos se debruçam sobre a discussão do Renda Brasil, o tempo vai se encurtando para a área econômica se posicionar sobre políticas de expansão de investimentos e empregos.
E, tão ou mais importante, sobre como será a gestão da política fiscal em 2021.
Se o teto do gasto será mantido, será preciso esclarecer como incluir o Renda Brasil e quais serão as metas de retorno da política de austeridade fiscal. Afinal, neste ano, por força da pandemia, houve uma explosão de gastos públicos de quase R$ 1 trilhão que, ao menos em tese, não se propagam para o próximo exercício.
Segundo dados do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI), recém-divulgado, o déficit primário no país sobe para 12% do PIB neste ano e a dívida bruta deve bater em 101,4% do PIB, a segunda mais alta de um grupo de 40 países emergentes, atrás somente de Angola, com dívida equivalente a 120,3% do PIB. Ainda há quem não veja necessidade ou não queira tratar do desempenho das contas públicas e tente buscar maneiras de superar as restrições fiscais, seja prorrogando o decreto de calamidade para 2021, seja inventando algum outro procedimento.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, redimensionou os efeitos da reforma administrativa de uns R$ 300 bilhões para algo como R$ 450 bilhões nos próximos dez anos. Isso pode ser um sinal em direção ao fim do teto de gastos no futuro ou uma cifra tão crível quanto a de R$ 1 trilhão em privatizações e concessões.
Aliás, a se proliferar decisões como a do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no mês passado, determinou a suspensão das liminares que impediam a encampação do serviço de pedágio da Linha Amarela, no Rio de Janeiro, não haverá mais concessões por ausência de empresas interessadas.
A batalha judicial entre a empresa Lamsa, que administra a via, e a prefeitura do Rio começou no ano passado, em torno do valor do pedágio cobrado. Na ocasião a prefeitura desautorizou a empresa, abriu as cancelas e destruiu as cabines de cobranças.
O momento do país não é ruim. A economia se aquece, não há problemas nas contas externas, a taxa de câmbio está bastante competitiva, a inflação está comportada e os juros internos são os menores da série histórica.
É preciso, no entanto, retomar um padrão de solvência na trajetória da dívida e estabelecer condições de segurança para a expansão dos investimentos privados e, consequentemente, da oferta de empregos.