Sem os mais importantes vetores que deveriam dar impulso ao crescimento – investimentos e exportações – o consumo doméstico passou a liderar a retomada
A expansão do consumo das famílias é o que está sustentando o nível de atividade econômica do país. A despeito da estagnação dos salários reais, a oferta de crédito associada a medidas pontuais – como a liberação do FGTS – ajuda a impulsionar o consumo, que, atualmente, está apenas 2% abaixo do que foi no quarto trimestre de 2014, quando atingiu o pico. Depois desse período, as famílias, superendividadas, começaram um longo e penoso processo de desalavancagem, juntamente com as empresas.
Em um movimento de curvatura semelhante, o PIB está praticamente no mesmo patamar que estava no segundo trimestre de 2015 e encontra-se 3% aquém do pico prévio à crise, no quarto trimestre de 2014.
A abertura das informações sobre o padrão da recuperação econômica do país traz dados interessantes. Segundo Manuel Pires, economista e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), esta é a primeira das grandes crises econômicas cuja recuperação não carrega o aumento da produtividade.
Na crise da dívida externa dos anos 1980, por exemplo, depois de uma maxidesvalorização da taxa de câmbio, a retomada ocorreu de forma rápida e com crescimento da produtividade do trabalho. O mesmo aconteceu na crise do governo Collor de Mello, em 1992, quando a produtividade cresceu durante os seis anos seguintes. Outro exemplo semelhante é entre 2015 e 2016, com a recessão e a queda da presidente Dilma Rousseff. A recessão termina em 2017, em uma recuperação da economia que também veio com algum aumento da produtividade. A performance da economia nos dois anos posteriores, 2018 e 2019, porém, veio acompanhada de uma estagnação dos indicadores de produtividade (por horas trabalhadas a preços de 2017). Pires, autor do trabalho em que abre os indicadores da recuperação econômica do país, chama a atenção para a falta de cuidado do governo com a questão da produtividade.
A propagação do coronavírus e a desmedida atitude do presidente Jair Bolsonaro, ao convocar em mensagem por WhatsApp o povo para as ruas, no dia 15 de março, em protesto contra o Legislativo e o Judiciário, em um confronto institucional, contaminam o ambiente econômico.
O investimento privado estrangeiro e nacional, que deveria crescer para aumentar a oferta de bens e serviços e gerar empregos, não se materializa. Passados quase seis anos do auge da recessão, o investimento ainda está 24,7% abaixo do seu pico histórico, que foi no segundo trimestre de 2013; e 17,5% abaixo do pico prévio à crise de 2014/2015.
As exportações, que poderiam ser um motor do crescimento doméstico, até em resposta à desvalorização do real em relação ao dólar, vinham crescendo, mas caíram 9% no último trimestre de 2019. Com a desaceleração da economia mundial em geral e da China, em particular, por ser o epicentro do coronavírus, não se deve esperar nada de positivo para a retomada do crescimento brasileiro no comércio internacional. A Argentina, em crise econômica, e China são dois grandes parceiros comerciais do Brasil.
Sem os mais importantes vetores que deveriam dar impulso ao crescimento – investimentos e exportações -, o consumo doméstico passou a liderar a retomada da atividade, ainda frágil, lenta e movida, novamente, pelo endividamento das famílias.
Pode não ter nada de errado nisso, mas é um inegável fator de risco. A expansão do crédito para consumo é, hoje, um motor da recuperação cíclica.
A imagem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, faz do Brasil é a de uma baleia cravada de arpões, com tremenda dificuldade para se mover. A tarefa do governo é retirar os arpões para que a baleia possa navegar. O primeiro que foi tirado foi com a reforma da Previdência.
Mas tem muito mais a ser feito e é preciso, portanto, prosseguir com as reformas, seja a tributária, seja a administrativa, assinala o ministro.
Nessa tarefa, de recolocar a atividade econômica nos trilhos, Guedes tem recebido críticas sobretudo dos ministros militares, por não estar entregando um desempenho melhor da atividade econômica.
Como está, dá para crescer neste ano cerca de 2%, sentencia Guedes. Ele completa: “Eu nunca falei que ia voar”.
Na pesquisa Focus, do Banco Central, do fim de 2019 até o boletim de 21/22 de janeiro, as expectativas para variação do Produto Interno Bruto (PIB) saíram de 2% para 2,33%, em uma trajetória que tendia para 2,5% de crescimento. Mas de lá para cá as expectativas começaram a murchar e hoje já encontram-se em 2, 20%.
O confronto aberto por Bolsonaro e o coronavírus são eventos dramáticos que minam completamente o terreno da atividade produtiva, desestimulam os novos investimentos e nada acrescentam ao bem-estar da população. Esta se vira como pode e se refugia na informalidade, em que os ganhos de produtividade praticamente inexistem.
Se querem encontrar culpados pela frustração do crescimento econômico, é importante olhar para o comando do Palácio do Planalto. É de lá que vem sinais muito estranhos que geram instabilidade, minam a confiança – artigo fundamental para os investidores – e ferem a democracia. Assim, não chegaremos a lugar algum!