“É cortar, cortar e cortar”, dizem fontes do novo governo
Aprovar a reforma da Previdência no primeiro semestre de 2019 é a prioridade do presidente eleito, Jair Bolsonaro. A importância desse prazo pode ser detectada no comentário de um dos economistas da transição: “Ou aprovamos a reforma da Previdência até junho ou será o caos”, disse. Por mais que se possa considerar essa afirmação um exagero de retórica sustentado na suposição de que esse será o período da lua de mel do mercado com o novo governo, o fato é que os agentes econômicos internos e externos estão à espera da reforma. Sua aprovação será um sinal de determinação e sustentação política do governo decisivo para a expansão dos investimentos no país.
Sem novos investimentos, a recuperação da economia terá vida curta, minando a confiança e o emprego. Este seria o início de um processo de deterioração das expectativas que fatalmente enfraqueceria o governo de Bolsonaro.
Técnicos da transição foram despachados para o Rio de Janeiro, na semana passada, para se inteirar da proposta de reforma elaborada por especialistas em Previdência Social sob a coordenação de Arminio Fraga. O ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos enviou ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, um projeto completo e inovador de previdência que está sendo avaliado, juntamente com algumas outras propostas. Os emissários de Guedes conversaram com Paulo Tafner, um dos autores da proposta.
À reforma da Previdência se seguem dois outros objetivos que compõem o plano de voo para a economia: a redução da conta de juros com o uso das receitas de privatizações para abatimento da dívida do setor público; e a reforma do Estado, centrada na busca de um modelo menor e mais eficiente.
Por onde se olha, há sobreposições de estruturas e tarefas, diagnosticam os assessores recém-chegados na transição. Um pequeno detalhe confirma essa visão mais geral. Para tratar das empresas estatais há a secretaria das estatais do Ministério do Planejamento, uma área que também cuida do tema no Ministério da Fazenda e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), ligado à Presidência da República, com um conselho e uma secretaria.
Ao reformular as estruturas do Estado, o governo poderá economizar de 20% a 30% dos gastos com cargos de confiança ou comissionados. Atualmente são mais de 23 mil cargos que recebem DAS (Diretoria e Assessoramento Superiores) ou funções comissionadas do Poder Executivo.
Para consertar o forte desequilíbrio fiscal, é crucial investir na reforma da Previdência, hoje o maior gasto do Orçamento. São R$ 591,45 bilhões em pagamento de benefícios, que devem gerar déficit de R$ 201,6 bilhões este ano só no regime geral (RGPS), segundo dados oficiais divulgados ontem pelo Ministério do Planejamento. Considerando a previdência do servidor público, esse déficit sobe para a casa dos R$ 300 bilhões.
Em seguida vem a conta de juros da dívida consolidada do setor público e a folha de pessoal da União. Nos últimos 12 meses até outubro, os juros nominais somaram R$ 401 bilhões (5,9 % do PIB) e a folha de salários consumiu cerca de R$ 300,6 bilhões (4,4% do PIB).
O déficit nominal, que inclui a conta de juros, alcançou R$ 488,8 bilhões (7,2% do PIB).
Os três gastos – benefícios previdenciários, juros e salários – estão na mira da nova gestão. “É cortar, cortar e cortar”, enfatizou um assessor do futuro ministro da Economia, que adiantou: “Não dá mais para fazer remendos. Agora temos que ir na raiz dos problemas”.
O drama dos “rombos” nas contas públicas é que a dívida bruta – compreendida por governo federal, INSS e governos estaduais e municipais – superou os R$ 5,24 trilhões e cresce a uma trajetória explosiva. Atualmente, a dívida equivale a 77,2% do PIB. Cabe ao novo governo interromper o crescimento e reduzir o endividamento como proporção do PIB para evitar o desastre de um “calote” futuro.
O Ministério da Economia está sendo montado segundo a perspectiva da reforma do Estado. Ele será resultado da fusão de três ministérios (Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio). Deverá comportar de quatro a seis secretarias, e isso eliminará as estruturas triplicadas. Ampliará substancialmente o raio de poder do futuro ministro Paulo Guedes, que terá sob a sua área de domínio todas as receitas e despesas da União.
O que norteia esse trabalho é, segundo assessores da área de gestão, construir de forma incremental os pilares do novo sistema econômico baseado nos princípios liberais. A ideia é trabalhar com o conceito de “equilíbrio geral”, no qual os processos vão sendo construídos de forma a um ajudar na sustentação do outro.
Em outras palavras, a reforma da Previdência se combina com um processo de privatização que se complementa com as reformas administrativa e tributária, que reduz o peso do Estado sobre as empresas e as famílias. E essas etapas vão se alimentando de um crescimento mais firme da economia.
Os governos tentaram de tudo após a democratização para colocar o Brasil nos trilhos do crescimento econômico sustentável. Avançou em um período, mas regrediu em outro. Buscou-se todos os tipos de atalho com intervenções exacerbadas. A carga tributária subiu a patamares asfixiantes – de 26,7% do PIB em 1995 para mais de 32% do PIB atualmente – para dar conta do acelerado crescimento do gasto público. Não foi suficiente e, então, recorreu-se ao aumento do endividamento para financiar as despesas, deixando a dívida chegar a níveis perigosos.
Resta tentar um caminho ainda não explorado: cortar a despesa pública para que ela seja financiada por uma carga tributária compatível com o resto do mundo, reduzir o tamanho do Estado e abrir a economia.
A equipe econômica do presidente eleito avalia que “pela primeira vez na história o país terá o governo com uma agenda claramente liberal”. Até então, medidas de cunho liberal foram adotadas de forma pontual, mais por necessidade do que por convicção. Uma dúvida é se e por quanto tempo Bolsonaro comungará das mesmas ideias de Paulo Guedes.