Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque, mas qualquer experiência que fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro
O Partido Socialista de Portugal, que há uma semana venceu de novo as eleições e renovou o mandato do primeiro-ministro Antônio Costa, decidiu governar sozinho o país e não renovar o acordo informal com parceiros do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, batizado como Geringonça – a intenção é negociar caso a caso, e não ceder às pretensões do Bloco de Esquerda, de fechar um acordo por escrito, com horizonte de toda a legislatura. Mas isso não esvaziou o debate sobre o que permitiu à Geringonça superar a crise econômica de Portugal e o que pode ser replicado em outros países, como o Brasil. A pergunta que mais se ouve por aqui é: “dá para fazer uma geringonça na economia brasileira?”
Os bons resultados de um programa econômico não identificado com “tudo pela austeridade fiscal” se transformaram, como já era de se esperar, em mais um motivo para a polarização que há bom tempo caracteriza a vida do País. De um lado, estão os adeptos da tese de que Portugal mostrou que é possível reativar a economia, sem adotar a receita fiscalista em vigor em vários países. De outro, os defensores da ideia de que a centro-esquerda portuguesa tem demonstrado forte preocupação com o equilíbrio fiscal, o que no Brasil continua patrimônio da centro-direita.
Não é por outra razão que a vitória de Costa e, por tabela, da equipe liderada pelo festejado ministro Mário Centeno ganhou espaço nas redes sociais, como se não estivesse ocorrendo do outro lado do Atlântico. E alimenta posts irônicos contra os brasileiros que estão se mudando para Portugal, em busca de melhores oportunidades de trabalho e maior segurança – grande parte deles atribuindo o quadro desfavorável no Brasil ao domínio da “esquerda” nos últimos anos, traduzido nos governos petistas.
Quando se olha para a economia dos dois países, é até compreensível o interesse despertado pela Geringonça. Não que os governos do Brasil tenham conseguido impor a austeridade na dimensão prometida – está à mostra, para quem quiser ver, a dramática situação financeira dos Estados, como o Rio, apesar dos compromissos assumidos para obter ajuda federal. Mas o discurso do momento é de linha dura no combate aos gastos públicos. Dia sim, outro também, a equipe econômica anuncia alguma medida da reforma administrativa que está em finalização, com foco na compressão das despesas com pessoal: limitações de reajustes salariais, promoções, contratações, e assim por diante.
O lado real da economia, por sua vez, também não manda boas notícias. Os indicadores antecedentes de PIB que serão divulgados nesta semana, IBC-Br e Monitor do PIB, devem confirmar o quadro de uma economia ainda em slow motion. Não é por outro motivo que setembro trouxe de volta uma deflação – pequena, é fato, mas um alerta de consumo fraco. Todas as esperanças de alguma reanimação da atividade econômica a curto prazo dirigem-se para os saques das contas do FGTS e PIS-Pasep e para as novas rodadas de baixas nos juros. Há, além disso, uma torcida para que o BC reforce a aposta “estimulativa” e libere dinheiro dos depósitos compulsórios.
Lá em Portugal, objeto de “inveja” dos brasileiros, é certíssimo que o primeiro-ministro terá desafios no seu novo mandato, que começa em clima de desaceleração da economia mundial. Especialmente a melhora da infraestrutura, que foi sacrificada em nome do corte de despesas do governo. Mas é inegável que ele já mostrou serviço anteriormente.
O governo de Costa tomou a direção contrária das recomendações de entidades financeiras internacionais, ao reduzir impostos sobre alimentação e aumentar o salário mínimo, entre outras medidas. Em quatro anos, reduziu o desemprego à metade, para 6,3%, derrubou o prêmio de risco dos títulos do país, e o PIB, que cresceu 2,4% no ano passado, vem se sustentando em níveis superiores aos da União Europeia, principalmente por causa do turismo – o que permitiu ao país atingir um nível recorde de renda per capita.
Tudo isso sem se afastar das metas dos programas de estabilidade.
Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque. Mas toda e qualquer experiência que, antes e tudo, fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro.