Apesar dos ladrões do dinheiro público, apesar dos traidores de todos os lados, apesar dos golpistas, verdadeiros ou não, diante dessa baixaria a que chegamos pelas pressões e paixões ideológicas, às vezes compreensíveis, e no meio dessa guerra que ignora amizades e sepulta as regras mínimas da boa convivência está o pobre e sofrido povo brasileiro, que não tem culpa do desastre econômico e político a que o país foi levado, mas é o mais diretamente atingido, com o desemprego galopante, a brusca redução de suas condições de vida e com a falta absoluta de perspectivas.
O impeachment foi admitido, a presidente Dilma afastada, como manda a Lei e, não obstante o justo direito de reclamar dos petistas e de seus militantes mais fiéis, a presidente dificilmente voltará a ocupar o cargo. Por conta das óbvias razões jurídicas e políticas de seu afastamento. Michel Temer é o presidente em exercício, e é nele e em seus ministros que precisamos agora focar e direcionar nossas melhores energias e esperanças para vislumbrarmos uma breve solução para este nefasto pesadelo da crise.
A despeito do estresse permanente provocado no meio político a cada novo episódio da Operação Lava Jato ou a cada nova delação premiada, o país precisa sair do atoleiro, os empresários têm de enxergar a luz no fim do túnel e os trabalhadores, sobretudo, necessitam urgentemente de entrever o caminho de um outro país, que volte a gerar empregos e que lhes aponte a perspectiva da dignidade e de uma vida de paz com suas famílias.
E em meio aos destroços da tragédia deixada, e mesmo diante de um cenário de profunda divisão política, se considerarmos o ainda real enraizamento social do PT e seus movimentos sociais diversos, nos deparamos com um sentimento que caminha para o consenso: o sistema político que produziu esse caos – o presidencialismo chamado de coalizão – se esgotou. De nada vai adiantar se formarem novos partidos, ainda que cada um desses novos grupos surjam abençoados pelo Papa ou pela mais pura das santidades dos céus, porque já não é mais da ilusão de um homem bom e santo para nos salvar o que precisamos. Mas da ousadia e da coragem de construirmos outro modelo, pelo qual as responsabilidades pela gestão do Estado possam ser efetiva e transparentemente compartilhadas com todos que se proponham a participar da vida pública, independente de suas ideologias ou de suas crenças religiosas.
E, não obstante parecer que tudo está ruim e mais distante uma solução, eis que as circunstâncias colocam diante de nós talvez uma ótima oportunidade para sacudirmos a poeira da intolerância e mitigando as barreiras dos ódios plantados nos juntarmos em torno de uma bandeira mais humana e libertária, que acolhe a todos, vencedores e derrotados. A auspiciosa ideia do Parlamentarismo, como modalidade de se dividir e compartilhar o poder entre todas as forças que efetivamente se fizerem representativas do povo brasileiro no Congresso Nacional.
Não vamos deixar de eleger o presidente da República, apenas este não será mais o todo poderoso e nenhum partido sozinho o será. Sem a necessidade de reinventar outros caixas dois ou outros esquemas criminosos de desvio do dinheiro público, pensemos na possibilidade histórica de desarmar os espíritos, de mitigar as tensões que se elevaram ao extremo nos últimos tempos, com razões justas ou não.
O caos deixado nas contas públicas, a saturação de políticas não transformadoras, o desrespeito ao cidadão, o descrédito com tudo e quase todos, tudo isso não será enfrentado com uma medida mágica e, nem mesmo com toda a força resultante do impeachment se oferecendo em apoio ao presidente em exercício, já que as soluções demandam tempo, acordos e, sobretudo, um ambiente mais propício à boa governança e que inspire a coesão social. E isso não se dará num cenário de permanente confronto ou de requeridas vinganças.
Ora, embora, afora o PPS, que historicamente se proclama parlamentarista, ainda que não exerça permanentemente o protagonismo de sua defesa, não vislumbre-se da parte, principalmente dos grandes partidos o debate do tema, as circunstâncias deste momento, em que, o presidente do senado se declara simpático, o PSDB, coloca entre as premissas para apoiar o governo provisório a inclusão do parlamentarismo na pauta, menções de parlamentares dos mais diversos partidos de direita, de esquerda ou de centro são observadas no sentido de se pensar com urgência na mudança do sistema presidencialista, ainda temos a palavra do presidente interino, Michel Temer, se propondo a sinceramente discutir a ideia.
Quando do plebiscito em torno da mudança do sistema de governo, ocorrido em 1993, a maioria dos grandes partidos optou pela manutenção do presidencialismo, porque havia a ansiedade pelo poder, e um pensamento autoritário de solução dos problemas brasileiros reinante na cabeça de grandes lideranças de cada uma dessas agremiações, como Brizola, Lula, Mário Covas, entre tantos outros. Passados agora mais de 20 anos, percebemos que muito pouco avançamos no sentido da verdadeira cidadania. Na primeira eleição direta elegemos um presidente desenraizado socialmente e o tiramos dois anos depois. Vencemos a guerra contra a inflação, mas não enfrentamos adequadamente os graves problemas da desigualdade e da pobreza, e na política, saímos de cerca de meia dúzia de partidos para, pasmem, mais de trinta atualmente, o que, segundo a maioria dos entendidos, só provoca mais desagregação. E agora, estamos a fazer o impeachment de uma presidente do partido que se construiu a base do apelo popular e da ilusão antiga dos salvadores da pátria e da utopia da esquerda.
Não dá mais! Não fomos capazes de fazer as mudanças no sistema político e eleitoral exigidas, como o voto distrital misto e em lista e a redução do custo de campanhas e com isso o presidencialismo mal apelidado de coalizão acabou. E se isto é verdade, porque não fazemos esse debate pra valer? É fato que assim que nos deparamos com essa exaustão, nos vem a pergunta: o que fazer? Ora, não precisamos sair por aí pregando uma maravilha salvadorenha, porque não é mais disto que se trata, mas está mais do que na hora de se desmistificar a confusa ideia que a maioria do povo faz do parlamentarismo: acham que seria pior, já que o exemplo da maioria dos parlamentares é péssimo, recheado de pessoas despreparadas, envolvidas em denúncias de desvios e de corrupção, ou inaptas para o exercício de um cargo tão relevante como o de um primeiro-ministro. Isso não deixa de ser verdade, mas o parlamento em qualquer lugar do mundo é assim, um pouco a cara de seu povo. No nosso caso, temos então uma dupla oportunidade, nos educarmos politicamente para elegermos melhor nossos representantes.
E mais: agora que as grandes lideranças do PSDB também não se acham totalmente imaculadas das denúncias da Lava Jato, as do PMDB, nem se fala, pensemos então nos demais partidos democráticos do centro para a esquerda. O PT, por exemplo, se sobrou um pouco de juízo em seus dirigentes, estes devem ser acordados já para esse debate, pois é o que lhes resta de esperança para um dia se reencontrarem com o sonho de seu passado transformista e de suas pregações sociais. Outros partidos, como o P-Sol, e a Rede, de Marina Silva, só teriam a ganhar ao se dedicarem ao tema, diante do potencial pedagógico e da perspectiva , humanista e transformadora que a proposta sugere, especialmente quando se prenunciam tempos novos. Aos de centro ou de direita, outra opção não lhes restaria, já que seus partidos estão quase todos contaminados pelas denúncias e se ressentem da fragilidade de suas bases, forjadas em bandeiras insuficientes ideologicamente ou nas bases difusas das igrejas.
O PT vai enfrentar um futuro incerto, é verdade. Provavelmente, nas próximas eleições gerais, não elegerá a metade dos deputados que elegeu em 2014. O PCdoB, igualmente sofrerá perdas, A Rede vai ganhar alguns, o Psol, talvez outros e, um ou outro dos partidos que estão na forma como o de Erundina, se legalizados, também podem eleger deputados. Mas tudo indica que a esquerda tradicional, ou principalmente a identificada com os desmandos do PT sofrerá baixas sensíveis nesse futuro imediato. Porém, não somos daqueles que sonham com o fim do PT, queremos sim que seus dirigentes façam a necessária autocrítica de seus imensos pecados públicos. Pecados políticos capitais! E creio que, entre seus quadros, existam alguns que estejam também pensando em oferecer respostas mais altivas a sua militância, que não apenas a falsa narrativa da vitimização. E nem seria bom para essas pessoas que se iludiram em torno do projeto lulopetista ou de suas crenças ideológicas simplesmente ficarem no limbo. Também não seria bom para o país.
Por outro lado, os xingamentos, os adjetivos desrespeitosos, o igualamento pra baixo a que se chegou vindo de ambos os lados nas redes sociais de partidos e de personalidades políticas em nada vai contribuir para encontrarmos o caminho de superação dessa tragédia. Guardadas as devidas proporções, da depressão pelo desencanto ou mesmo da raiva, é hora de baixar a guarda. É hora de todos pensarmos na distensão, já que a continuar assim, ninguém vai ganhar.
E se pararmos um pouco para refletir, é de ações mitigadoras, de mediação construtiva, de uma verdadeira abertura à distensão política o que precisamos neste momento para recomeçar. O debate em torno da construção de uma proposta Parlamentarista para o Brasil pode de novo unir a esquerda e o centro e, quem sabe, muitos democratas e liberais da direita, porque, antes de tudo, não começa de algo definido, mas de uma oportunidade extremamente pedagógica e generosa, para os militantes de antes e para os novos que agora se enxergam empoderados pelas redes sociais.
O PPS tem lideranças importantes para iniciar esse debate e com autoridade suficiente para propor a sua disseminação entre os demais partidos e no conjunto da sociedade. E para não retornarmos à barbárie política e nem ficarmos mais apenas a repetir os nomes dos culpados pela crise, que são muitos, por que não ousamos iniciar de verdade esse auspicioso debate? Poderíamos começar propondo uma Coordenação nacional para a divulgação e desmistificação do Parlamentarismo no Brasil, explicando suas premissas e vantagens para a democracia.
Chico Andrade é presidente do PPS-DF