Política e pandemia estão entrelaçadas de modo absoluto
No Amazonas, a estação das chuvas está próxima. É bom se preparar para a tormenta. No café de um hotel em São Paulo, o governador amazonense Wilson Lima (PSC) puxa do celular e abre em sua tela diversos vídeos de WhatsApp que recebeu. Mostram cenas da campanha eleitoral deste ano tanto em Manaus quanto em cidades do interior.
Muita gente, muita música. Abraços, beijos, festa popular. Em pelo menos um dos vídeos não é possível distinguir uma pessoa sequer de máscara. No Amazonas, explica Lima, a política funciona assim: com contato físico e, obviamente, intensa troca de partículas microscópicas por aerossol.
Na capital, o decano das eleições amazonenses, Amazonino Maia (Podemos), com 80 anos, tenta voltar à prefeitura. Faz campanha sem circular, com reuniões remotas, presença digital. Seu jingle remete a isso: “O pai tá on”. Ele perde terreno nas pesquisas. Seus rivais mais próximos, Davi Almeida (Avante) e Ricardo Nicolau (PSD) fazem campanha de rua e se aproximam. Seguem a lógica do Estado.
A campanha eleitoral, adiada, engata com a virada da estação, em que síndromes de quadro respiratório proliferam. No Amazonas, comícios foram proibidos em apenas dois dos 62 municípios. No Amapá, a covid parou a campanha na capital.
A média de óbitos por dia em Manaus está em nove. Era cinco há algumas semanas, mas chegou a ser de 100 nos piores dias da pandemia. O indice de ocupação de leitos da UTI já alcança 86%. Precisamente só há hoje 51 vagas disponíveis para esta enfermidade. No Estado. O governador sabe que os casos vão aumentar e na segunda-feira começa o processo para colocar mais 42 leitos no sistema.
Lima diz que não considera provável, mas também não descarta de todo, a possibilidade de Manaus reviver em breve o cenário de maio, com hospitais alojando pacientes em contêineres e os cemitérios organizando filas para enterros coletivos.
O “lockdown”, segundo o governador, não é uma opção. Embora bastante alinhado ao presidente Jair Bolsonaro, não usa argumentos ideológicos para combater a política de isolamento social. Para Lima, ela não é uma afronta a liberdade, como dizem os bolsonaristas xiitas. Ela é inútil, porque um decreto de fechamento do Estado não seria obedecido.
“Ninguém respeita. Ninguém respeita. Isso na França, na Espanha, na Alemanha, é muito bacana. Em Manaus, não funciona. Isso não é opinião, é constatação”, diz. Ressalve-se que o pensamento de Lima não é unanimidade no Amazonas. O entendimento do prefeito de Manaus, o tucano Arthur Virgílio, é outro, a favor do isolamento.
A proatividade do governador do Amazonas pode estar sendo afetada por dois fatores: um é sua sustentação política frágil. Ele foi alvo este ano de uma tentativa mal sucedida de impeachment, que deixou como saldo seu afastamento definitivo do presidente da Assembleia Legislativa.
Outro foi a rumorosa compra de respiradores com indícios de superfaturamento na intermediação do negócio por uma loja de vinhos. Lima tornou-se personagem da “Operação Sangria”, que já está na sua segunda fase, com direito a busca e apreensão de documentos e a um pedido de prisão, este negado pelo STJ. Sua situação não está resolvida. As investigações continuam na Procuradoria-Geral da República.
“A investigação está sob sigilo e eu estou tranquilo. Se houve superfaturamento, foi em uma relação entre privados. O Estado só estava preocupado em garantir o atendimento em um momento de escalada de preços e de falta do produto”, diz. Ainda assim, ele assegura ter trocado todo o pessoal da Secretaria da Saúde e instituído uma controladoria para auditar todas as compras relativas à pandemia.
Medida necessária, considerando que a secretária da Saúde foi presa em junho. O antecessor dela também foi parar na cadeia.
Sem ter muito o que fazer para deter a progressão da doença, ou pelo menos é nisso que ele acredita, que seu raio de ação é reduzido, o governador amazonense aguarda com ansiedade que a poeira baixe e a discussão sobre vacinação caminhe para uma direção técnica.
Lima receia um quadro em que a Anvisa avalize uma vacina de origem chinesa produzida em São Paulo, mas o governo federal não a coloque no plano nacional de imunização, como ameaça Bolsonaro. “Não faz sentido um Estado poder vacinar sua população e o outro não. Um Estado pobre não terá como comprar vacinas”, diz.
Para Lima, a discussão sobre vacinas está de cabeça para baixo. “Não temos que pensar se vacina é uma obrigação ou não. Temos que assegurar a vacinação como um direito. Isso não está assegurado”, alerta. Ele arrisca um palpite: “Eu não acredito que alguém da periferia de Manaus rejeite uma vacina porque ela vem da China. Isso não existe.”
São Paulo
A última pesquisa XP-Ipespe, divulgada pelo Valor, mostra que o primeiro turno da eleição paulistana pode ser decidido por dois candidatos de baixa competitividade: Jilmar Tatto (PT) e Arthur do Val, o “Mamãe Falei”, do Patriota. Os dois saíram do traço para o patamar dos 5%.
Ambos crescem de maneira assimétrica nas diversas faixas do eleitorado. A ascensão de Tatto complica a passagem de Guilherme Boulos para o segundo turno, porque se dá nos segmentos de menor renda. Na alta renda e na população com ensino superior, Boulos já lidera. São veios que parecem estar próximos do esgotamento. Para ultrapassar 20%, o candidato do Psol precisa da periferia.
O crescimento de “Mamãe Falei” acontece entre homens jovens. É um eleitorado que lastreou o começo do crescimento de Bolsonaro nas pesquisas, na fase de pré-campanha presidencial. Em tese, seria um eleitor mais próximo do bolsonarismo. Se este candidato avançar, pode aprofundar o declínio de Russomanno.
Ainda que não vá para o segundo turno, uma votação acima de dois dígitos deixa Boulos muito maior do que entrou na disputa.