Crise com Moro perturba aproximação com Centrão
A crise entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, pode ter a substituição do diretor da Polícia Federal como origem, mas suas razões de fundo se entrelaçam com o movimento presidencial em direção ao mundo tradicional da política brasileira. Não há uma relação de causa e efeito: há sim influência do primeiro fato no segundo.
A cena do poder se alimenta de símbolos, e é emblemático que Moro se dirija para uma porta quando Roberto Jefferson entrou por outra. Arthur Lira por uma terceira. Kassab por uma quarta. Marcos Pereira por uma quinta.
A trajetória de Moro à frente do Ministério da Justiça armou uma situação altamente indesejável no mundo político, que é a guerra em duas frentes. Popularidade alta garante uma certa blindagem, mas é insuficiente para romper um cerco. O ministro sempre antagonizou com o mundo político tradicional. As malfeitorias de amigos e antigos auxiliares da família Bolsonaro no Rio o fizeram colidir com os operadores políticos mais incondicionais do chefe.
Operadores políticos, é bom frisar, não os militantes fanáticos das redes sociais, que permanecem fechados com Moro. Quem se volta contra o ministro da Justiça são os que puxam os cordéis das campanhas orquestradas no WhatsApp, no Twitter, no Facebook. Um curioso caso de contradição entre base e pico desta pirâmide.
A forma como essa contenda se resolver – ainda não havia desfecho no momento em que essa coluna era escrita – será sugestiva do destino de Bolsonaro.
Com Moro fora, o presidente pode continuar a cimentar alguma coisa semelhante a uma base de governo no Congresso, o que é bom para aprovar medidas que facilitem a retomada pós-pandemia.
Em compensação, pode ganhar um adversário à direita na eleição presidencial de 2022. A permanência de Moro, se acompanhada da permanência do diretor da Polícia Federal, significará que o presidente é muito suscetível à reação da militância anti-establishment nas redes. O que pode azedar o ambiente para uma recomposição presidencial com o Congresso.
Esta é uma das apostas daqueles que se preocupam com o aumento do trânsito político de Bolsonaro. “A natureza do Bolsonaro é contra o Parlamento. Na primeira pressão que ele sofrer nas redes sociais ele reverte isso”, comentou o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), um oposicionista com excelente relação com o presidente da Câmara. E já há sinais neste sentido, já existe um sentimento de perplexidade entre bolsonaristas empedernidos com a aproximação entre Bolsonaro e o Centrão.
Orlando Silva admite que há uma força natural que impele os deputados dos partidos do Centrão a buscarem guarida no Palácio do Planalto. “Há um contingente muito expressivo dos parlamentares destes partidos em Estados onde o governador está na oposição. É difícil para um deputado destes partidos ser oposição ao mesmo tempo ao governador e ao presidente”, disse.
E se há alguma coisa que cresceu na catástrofe da pandemia foi o protagonismo dos governadores. Há um certo consenso de que o paulista João Doria ganhou muita densidade política, estabeleceu uma polarização com o presidente e se consolidou como a principal alternativa, no momento, a uma eleição presidencial em 2022. Todos os movimentos recentes de Rodrigo Maia coincidem com os interesses de Doria e isso explica muito da escalada de Bolsonaro contra o presidente da Câmara.
Os deputados do Centrão aceitam a aproximação, mas evitam se comprometer com a desmontagem de Maia. “O presidente sente que uma base mais sólida no Congresso é necessária e tenta reduzir a influência do Rodrigo, mas não sei se isso vai funcionar. Os partidos separam as coisas. Vão dar musculatura para o governo atuar na crise, mas Rodrigo não estará isolado e será o condutor da própria sucessão”, disse o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
A entrega de cargos aos partidos do Centrão é a argamassa fundamental para essa aproximação, em um processo sinérgico de ganhos políticos entre os militares – leia-se o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, e o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos – e os parlamentares do bloco pragmático.
Os militares cedem posições que estavam guardando até o momento. Será a turma da caserna que dará lugar no segundo e terceiro escalões a indicações políticas. Ganham os militares assim respaldo político. Assumem o papel de mediadores das crises. Entregam peças para avançar várias casas.
O objetivo central é o posto Ipiranga. Provocar um “downgrade” na condição de superministro de Paulo Guedes é uma meta que parece ao alcance da mão, agora que Braga Netto lançou seu plano nacional de desenvolvimento. “Os militares tem o apoio da base política para o enfrentamento maior dentro do governo”, resumiu Ramos.
A pandemia abriu um espaço para esta aliança. O discurso antiquarentena de Bolsonaro, por mais irresponsável que seja, o fortalece, enquanto a catástrofe produzir mais desemprego e perda de renda do que mortos. “É um discurso bem encaixado para um ponto futuro, para o que vem a seguir”, reconheceu Orlando Silva. Mas Bolsonaro precisa de respaldo político para romper com a cartilha de Guedes. O que implica em repactuar com o Congresso.
Neste cenário, a pandemia já trabalha contra a polarização ideológica, à parte do alarido dos fanáticos. Quando o presidente e seus aliados falam ou insinuam golpe, despertam a sombra do impeachment. Quando a oposição se mobiliza pelo impeachment, reforça o discurso de vitimização de Bolsonaro.
Estabeleceu-se um equilíbrio do terror. Os que defendem golpe e impeachment, a princípio, perdem. Os bombeiros tendem a ganhar.
Nesta quadra, tentar tirar Valeixo agora pode ter sido um passo em falso de Bolsonaro. Quando os interesses de Moro são contrariados certas coisas começam a acontecer, engrenagens que pareciam paradas estalam e se movimentam, há uma certa constância nisso. A pedido da Lava-Jato, um juiz federal em Curitiba bloqueou parcialmente os salários do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e do deputado Arthur Lira (PP-AL), com quem o presidente confraternizou recentemente. Mais uma frente fria que vem do Sul e chega ao Cerrado.
*César Felício é editor de Política.