Luiz Fux frisou que deferência a outros Poderes tem limite
A interlocutores nos últimos meses, o ministro Luiz Fux já havia indicado que pretendia demarcar uma certa distância em relação ao presidente Jair Bolsonaro. A convivência prometida iria muito pouco além da protocolar. Não haveria ambiente para visitas inesperadas, ou encontros no fim de semana.
Este não foi um traço de seu antecessor no cargo, Dias Toffoli, como ficou patente anteontem, com a irrupção de Bolsonaro em sessão do Supremo, para o assombro dos demais ministros.
Aboletado ao lado de Toffoli, a seu convite, Bolsonaro fez questão de lembrar que chegou onde chegou porque foi votado por milhões de eleitores. Ao passo que Toffoli e seus pares lá estavam por indicação presidencial. O momento não foi uma fotografia que colocou o Supremo em uma posição altiva, para dizer o mínimo.
Ao tomar posse ontem como novo presidente da Corte, Fux demonstrou o tamanho da distância regulamentar, ainda que o presidente estivesse ao seu lado, conforme manda o ritual.
Ele se mostrou disposto ao jogo político, ao deixar claro que quer ser “minimalista” e “pragmático” ao julgar ações de outros Poderes.
“O STF não tem o monopólio das respostas. Os demais Poderes devem resolver internamente seus próprios conflitos, em que a decisão política deve reinar”, disse em seu discurso. É algo que pode ter soado alentador aos ouvidos do presidente do Senado, que estava presente e sonha com uma reeleição explicitamente vedada pela Constituição.
Dentro da teoria consequencialista pela qual se rege ao tratar de temas econômicos, ele sempre estará disposto a ouvir os argumentos do Ministério da Economia ao pautar temas fiscalmente explosivos, um aceno para o Executivo.
Isso posto, Fux foi explícito em indicar que pode terminar aí a “deferência aos demais Poderes” que prometeu. “Deferência”, afirmou em seu discurso, “não se confunde com contemplação e subserviência”.
“O Judiciário não hesitará em decisões exemplares para a preservação da nossa democracia e nem mediremos esforços para o combate à corrupção. Não admitiremos recuo. Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do direito”.
Não há outra interpretação possível que não seja a de ter sido feito um sinal de advertência ao presidente Jair Bolsonaro e seu entorno.
Não faz muitas semanas que a revista “Piauí” publicou uma matéria, sem revelar as fontes, em que se relata a disposição do presidente de intervir no Supremo, seja lá o que isso significa, caso fosse obrigado a entregar para perícia o seu telefone celular.
O esgoto da internet açulado pelo bolsonarismo bombardeia de maneira incessante os ministros de Supremo e Fux há tempos é um alvo importante de ataques ao rés do chão. Em sessão recente no STF, o ministro classificou este tipo de militância virtual como terrorista.
A referência à Lava-Jato é uma sinalização de que, no que depender de Fux, não haverá interesse em garantir blindagem a integrantes de outros Poderes. O novo presidente do Supremo Tribunal Federal não fez referências às suspeitas que pesam contra o próprio Judiciário, amplificadas anteontem pela operação desencadeada por ordem do juiz Marcelo Bretas.
Fux fez menção expressa à importância de se preservar a liberdade de imprensa, foco de explosões constantes de ira presidencial, e prestou logo no início de seu discurso tributo aos quase 130 mil mortos pela covid-19, que raramente recebem homenagens de Bolsonaro.
Se o seu antecessor buscou a assessoria de generais, Fux promete como um de seus primeiros atos como presidente da corte a criação de um Observatório de Direitos Humanos no âmbito do Conselho Nacional de Justiça. Em política, às vezes, um gesto é tudo.
Deriva
Tivesse o ex-ministro da Justiça Sergio Moro mais desenvoltura para articulações partidárias não faltaria a ele oportunidades para ser protagonista nestas eleições municipais. Moro está em segundo ou terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022, e há uma corte de admiradores do ex-ministro que estão disputando o pleito. A vinculação deles ao bolsonarismo é hoje tênue. Poderiam ser candidatos “moristas”.
Em São Paulo, a deputada Joice Hasselmann (PSL) disputa a eleição magoada com Bolsonaro e batendo em literalmente todas as forças políticas do Estado. Joice foi autora de uma hagiografia de Sérgio Moro, no auge da Lava-Jato. Se há uma vertente em que continua se ancorando é a do combate à corrupção.
Também seria uma “morista” em potencial a candidata do Podemos à Prefeitura do Recife, delegada Patrícia Domingos, que manifesta reservas a Bolsonaro e é só elogios ao ex-ministro da Justiça.
Nada indica, entretanto, que o ex-ministro partirá para este tipo de semeadura nos próximos dois meses. A notícia que existe é que ele começa na próxima semana a dar aulas virtuais no curso de direito do UniCEUB, uma faculdade particular em Brasília.
Desde que saiu do governo, causando desgaste ao presidente, Moro colecionou percalços. Enfrenta uma ofensiva de advogados para que seja impedido de exercer a atividade e está sob o fio de lâmina no Supremo, que há de um dia julgar a sua suspeição no processo que condenou Lula. A Operação Lava-Jato que tanto o projetou está nas cordas. Reúne contra si praticamente a unanimidade do mundo político.
São circunstâncias que tolhem seus movimentos. Moro será um ator importante no cenário político a depender de mudanças de variáveis que não controla. Ele está distante da costa, o que torna mais incerta a rota a seguir. Pra chegar no destino vai depender do vento.