Frente Parlamentar comemora o simples envio da matéria
A maior qualidade da reforma administrativa apresentada pelo governo é o simples fato de ela ter se materializado. Não se esperava nem mesmo isso do governo de Jair Bolsonaro. Afinal, foi exatamente pela falta de prioridade ao tema que o ministro Paulo Guedes perdeu um importante auxiliar há menos de um mês.
Concorreu para o cavalo de pau o beco sem saída proporcionado pelo teto de gastos. Muitas enormidades são ditas e praticadas em defesa de âncoras de expectativas. Assim foi no passado com a âncora cambial, no Brasil e em outros países, assim é com esta âncora fiscal que um dia – esta é uma questão de fé, mais do que de resultados aferidos – trará a relação dívida/PIB para um nível inusitadamente baixo.
Em nome da âncora fiscal, o Congresso hoje se depara com um conjunto de PECs e propostas, em que estão não só a reforma administrativa como a PEC dos gatilhos (que, em si, embute uma minirreforma do funcionalismo), e, por que não?, uma reforma tributária em que o aumento da carga está claro. Também foi essa âncora fiscal que impulsionou a reforma da Previdência.
Se o teto de gastos foi ou não um grande erro é uma discussão que não cabe neste espaço. O fato é que detonou um sentido de urgência que move toda a agenda reformista dos últimos anos.
A partir do momento da chegada da reforma administrativa, ela só avançará se profundamente modificada pelo Congresso. É inapelável diante do fato de que este é um governo de minoria parlamentar, com maiorias circunstanciais organizadas por um conjunto amorfo e fragmentado de legendas a que se convencionou chamar Centrão.
Do texto apresentado ontem, de pronto não é razoável acreditar que o Legislativo abrirá mão de prerrogativas. Portanto são escassas as chances de se aprovar uma norma para que Bolsonaro possa extinguir ou fundir autarquias por decreto, sem passar pelo Congresso. Essa é uma novidade que tem todo o aspecto de estar lá apenas como moeda de troca.
Se depender da frente parlamentar que está envolvida no tema, a reforma administrativa terá acréscimos. Na véspera do envio, a senadora Kátia Abreu (PP-TO) preconiza, por exemplo, a criação de uma agência reguladora, com mandato, para organizar todas as regras do funcionalismo de ora em diante. Seria algo como um super-Dasp (Departamento Administrativo do Serviço Público), órgão criado no Estado Novo, com grande autonomia, que tinha como missão dar racionalidade e método às máquinas governamentais. “Nós temos que ter o servidor ao nosso lado. Fazer um muro de contenção da interferência política, depois do fim do regime jurídico único”, comentou.
Essa e outras questões, como a possibilidade de ter contratações diferentes para carreiras diferentes, corte de vantagens absurdas e ofensivas para quem está no setor privado, a vinculação da remuneração a uma análise de desempenho, serão temas de exclusivo debate parlamentar. Bolsonaro e Guedes participarão delas do mesmo modo como participaram da reforma previdenciária. Foram coadjuvantes. “O que precisamos de Bolsonaro é que apenas assine o projeto e o envie”, dizia na véspera da entrega o deputado Thiago Mitraud (Novo-MG), também integrante da frente.
Haverá também pressão parlamentar para que a proposta seja desidratada. “Este governo age de certa forma de uma maneira lunática”, comentou a presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), horas antes da divulgação da proposta. “É preciso ter em mente que a autonomia dos Estados e municípios precisa ser integralmente respeitada e que tudo que o servidor atingido puder judicializar, ele o fará e o juiz vai dar”, disse.
Simone vê um entrelaçamento da reforma administrativa de ontem, de impacto fiscal ainda desconhecido, com as PECs que criam gatilhos para cumprimento do teto de gastos, de uso imediato, e com a reforma tributária, que em sua opinião deveria caminhar para o segundo plano.
“A imensa maioria dos servidores é estadual ou municipal e não ganha muito. Você acha que um senador vai votar alguma coisa que possa levar à redução de vencimentos de um servidor municipal? Esse povo não conhece o Brasil. Eles acham que podem tudo e não conseguem nada”, fala a emedebista.
Para Simone Tebet, tanto a reforma administrativa quanto a dos gatilhos para o teto avançam melhor se o Congresso criar uma barreira que preserve os que ganham até R$ 5 mil, ou algo assim.
Em um ano em que as campanhas eleitorais estão começando exatamente nesta semana, a realidade política deve se impor ao Congresso. É uma circunstância que ameaça sobretudo a reforma tributária. Não é um tema popular.
É difícil divulgar que a reforma trará ganhos futuros com a racionalização do sistema. E muito fácil, por outro lado, provocar terror projetando impacto nos preços do fim da isenção da cesta básica, e na renda dos setores médios com disparadas das mensalidades escolares, dos planos de saúde e das tarifas de transporte com o aumento da oneração de serviços. O mal é bem visível. O bem, intangível.
Isso não sugere que a reforma tributária será simplesmente abandonada, mas o tema é agreste e o que passar na Câmara terá bastante dificuldade de ser endossado no Senado.
A entrada do governo com a proposta da CBS, em regime de urgência, só tornou tudo mais nebuloso. “Matou a reforma”, na opinião da emedebista. Parece um exagero, mas permite se ter um certo ceticismo em relação à aprovação do tema este ano.
Saudade
Um dos maiores empreiteiros do Brasil, delator ilustre da Lava-Jato, andou tendo encontros com articuladores políticos no momento mais agudo de crise de popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Procurava medir a chance de um impeachment e especulava sobre quem seria digno de sua aposta na eleição presidencial de 2022. Ele se queixava de não ter mais interlocução no governo federal. Elogios foram feitos, entretanto, ao ministro Tarcísio Freitas.