Maiá Menezes / O Globo
Na galeria dos personagens mais relevantes da História política brasileira, Leonel de Moura Brizola, que hoje completaria 100 anos de nascimento, deixa um espólio que ajuda a desenhar o passado do país. Uma dinastia familiar heterogênea ideologicamente. Mas sua herança política se pulverizou – e seguirá dispersa nas eleições deste ano. Estudiosos, netos, políticos denotam a certeza de que o chamado brizolismo teve seu ciclo, mas se encerrou. Alguns acreditam que o ideário voltará, outros que se espalhou por vários partidos, mas aliados muito próximos veem que hoje o PDT, partido que fundou, não levanta mais a bandeira do trabalhismo, parte do tripé que fez de Brizola o herdeiro político de figuras icônicas como Getúlio Vargas e João Goulart.
– Brizola foi o herdeiro de um legado trabalhista, deixado por Jango, iniciado por Getúlio. Teve uma sobrevida, mas não conseguiu leva-lo à Presidência. O trabalhismo cumpriu seu papel histórico. Mas, quando a gente vê o Ciro Gomes (pré-candidato do partido à Presidência este ano), nada tem a ver com trabalhismo brizolista. Não existe mais – avalia o cientista político João Trajano Sento-Sé, estudioso do brizolismo e do fenômeno que fez de Brizola governador de dois estados, Rio Grande do Sul, sua terra natal, e Rio de Janeiro. Único político com a marca de ter governado dois estados no Brasil.
No Rio, orbitaram em torno dele nomes como o dos ex-governadores Marcello Alencar e Anthony Garotinho. Sua principal marca foi a criação dos Cieps, projeto também abandonado.
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Os sinais de que o homem parece ter sido maior que o partido foi a debandada e movimentos pró-brizolistas dentro do PDT, depois da morte do ex-governador, em 21 de junho de 2004.
Coordenador, em 1982, da campanha de Brizola ao governo do Rio, defensor reverente do brizolismo, Vivaldo Barbosa deixou o PDT em 2010.
– O partido fez um descaminho. O PDT deixou de ser baluarte de defesa do brizolismo. A bancada votou a favor da reforma da Previdência, da privatização da Eletrobras. O tripé direito trabalhista, Previdência e interesses nacionais foi abandonado – diz Vivaldo, hoje filiado ao PT, defensor da pré-candidatura do ex-presidente Lula, de quem, em 1989, de forma surpreendente Brizola aceitou ser vice num segundo turno derrotado por Fernando Collor de Mello.
As eleições deste ano marcam ainda mais as cisões do antigo brizolismo. Entre os netos de Brizola, dois são a favor do apoio a Ciro Gomes e um a Lula.
-O terno do meu avô deve estar roto de tanto revirar no túmulo. Há uma esquizofrenia parlamentar. Pedetistas votando a favor da reforma da Previdência, contra o trabalhador. Temos hoje até aliança com ACM Neto, na Bahia. Vejo meu avô vivo na mente do povo brasileiro – diz Leonel Brizola Neto.
-Precisamos de unidade. Mas apoiar o Ciro não faz sentido. Ele trabalhou em duas multinacionais. Vai contra todo o ideário de perdas internacionais de meu avô.
O oposto pensa a deputada estadual, pelo Rio Grande do Sul, Juliana Brizola, gêmea de Brizola Neto, defensora de Ciro.
-Não sou pensadora sobre o trabalhismo. Mas sei que meu avô sempre se posicionou contra a precarização do trabalho. Sei que o berço de Ciro é outro (Brizola, nascido pobre, em Cruzinha, no Rio Grande do Sul). Mas ele tem um projeto de desenvolvimento nacional.
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Fora da dinastia familiar, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, ressalta que é irrevogável o apoio a Ciro, apoiado também por outro neto do ex-governador, Paulo Brizola Neto. Ex-jornaleiro, Lupi conta que se encantou pelo político depois de ler uma reportagem e decidir pegar um ônibus com amigos de faculdade para ouvir o discurso de Brizola no túmulo do ex-presidente Getulio Vargas, na volta do exílio, em 1977. O conheceu em sua banca de jornal no Rio, próxima ao apartamento do ex-governador, na Avenida Atlântica.
-O processo ideológico não tem herança individual para ninguém. O trabalhismo está vivo – afirma, garantindo não ver incoerência alguma entre o comportamento do partido desde então e o ideário brizolista.
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Político épico, em 25 de agosto de 1961 liderou a histórica campanha da Legalidade. O episódio garantia que os ministros da Aeronáutica vetassem a posse constitucional do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do então presidente Jânio Quadros. Um golpe era iminente. A insurgência política de Brizola foi decisiva para evitar. Em 1962, iniciou sua via política no Rio, ao transferir o título. Mas suas propostas de resistência ao golpe militar de 64 o levam ao longo exílio de 15 anos no Uruguai.