Ex-presidente do STF nunca foi à guerra pelas instituições como fez, por exemplo, Celso de Mello
A passagem de Dias Toffoli pela presidência do STF foi característica de uma época de democracia em crise. À medida que mais bastidores dos últimos anos forem revelados, os historiadores debaterão que papel o ministro teve na gestão dessa crise.
Se as coisas estavam tão degeneradas que foi necessário ao presidente do STF costurar um acordão, Toffoli desempenhou um papel importante. Afinal, acordão ainda é melhor do que golpe. Mas se o risco à democracia era baixo, Toffoli pode ter piorado as coisas encorajando os golpistas com concessões.
O que é claro é que Toffoli nunca aceitou o risco de tornar-se um mártir da democracia, nunca foi à guerra pelas instituições como fez, por exemplo, Celso de Mello. Sua estratégia foi a acomodação com a ameaça bolsonarista, com uma exceção importante, que também é controversa.
Os analistas que defendem a tese do “risco zero” para a democracia precisam começar sua explicação com o seguinte: o que o general Fernando Azevedo e Silva estava fazendo como assessor do presidente do STF durante a campanha de 2018? Quantos generais já haviam ocupado essa posição?
Que tipo de assessoria ele prestava a Toffoli? Não é relevante que, naquela eleição, Lula estivesse a uma decisão do STF de poder ser candidato? Não é relevante que, com Lula fora do páreo, o favorito fosse o candidato dos militares? Quando Toffoli mentiu que 1964 não foi um golpe, mas um “movimento”, isso não tinha nenhuma relação com a provável vitória de Bolsonaro? É normal que Azevedo e Silva tenha saído do lado de Toffoli para o Ministério da Defesa de Bolsonaro? Alguém é capaz de me apresentar uma eleição transcorrida em uma democracia consolidada em que algo semelhante tenha ocorrido?
Na semana passada, Toffoli declarou que nunca havia visto Bolsonaro ameaçar a democracia. Talvez tenha visto apenas risco de “movimentos” como o de 1964.
Mas, se não viu nada, sua passagem pela presidência do STF foi um absoluto desastre: se Bolsonaro não representava risco à democracia, as decisões de Toffoli sobre o Coaf, por exemplo, que beneficiaram Flávio Bolsonaro, foram, além de juridicamente erradas, desnecessárias à defesa da democracia.
Eu acho que o risco de golpe foi real. Acho que as instituições deveriam ter enfrentado Bolsonaro de frente. Mas se eu, que sempre alertei para o risco de golpe, mesmo assim o tiver subestimado, se um confronto direto tivesse como resultado provável a vitória dos golpistas, talvez Toffoli tivesse razão.
De qualquer forma, a exceção nessa estratégia de acomodação, o inquérito das fake news, funcionou. Em um artigo para o site de notícias jurídicas Jota, o jornalista Felipe Recondo lembra que o inquérito “revelou seu poder de dissuasão e deu ao cenário político-institucional de Brasília algum grau de normalidade e racionalidade”.
O inquérito também foi alvo de muitas críticas por juristas respeitáveis. Novamente: se ajudou a evitar um golpe, valeu a pena.
Mas se fizemos esse tipo de cálculo —acordão ou golpe, inquérito heterodoxo ou golpe— a democracia andou bem mal. Resta torcer para que Fux navegue águas mais tranquilas, mas esteja disposto a reagir se as tentativas de intimidação —como a visita surpresa à despedida de Toffoli— continuarem. Haja jiu-jítsu.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).