Que o jornal continue sendo espaço onde alternativas ao desastre sejam pensadas
No momento em que a Folha faz cem anos, é natural que todos se lembrem das grandes reportagens, que são, de fato, a alma do jornal. Mas eu, pessoalmente, sempre gostei da Folha também como espaço de debate de ideias. Por isso, resolvi fazer minha homenagem ao jornal lembrando de três discussões importantes publicadas aqui. Todas estão disponíveis no Acervo Folha.
Após a derrota para Collor em 1989, o Partido dos Trabalhadores formou um “governo paralelo”, um grupo de debates sobre políticas públicas que embasaria a atuação do partido na oposição.
Uma das ideias que circulavam amplamente era a da renda mínima, defendida nas páginas da Folha desde os anos 70 pelo então jovem economista Eduardo Suplicy. Em um debate do governo paralelo, o economista José Márcio Camargo elogiou a ideia de Suplicy, mas sugeriu que o foco inicial do programa fossem as crianças, não os idosos, como no projeto original do senador.
Tanto quanto sei, seu comentário ao projeto de Suplicy, publicado na Folha de 26 de dezembro de 1991, é a primeira formulação do Bolsa-Escola, “um programa que complementasse a renda de todos os trabalhadores, desde que eles coloquem seus filhos em escolas públicas”.
Em 1994, o Brasil elegeu como presidente um de seus grandes intelectuais, Fernando Henrique Cardoso. Quem esperava oito anos de grandes debates intelectuais com o presidente decepcionou-se: FHC presidente falava como político, como, aliás, tinha mesmo que fazer.
Porém, no meio da campanha eleitoral, provocado por dois intelectuais de esquerda —José Luis Fiori (no artigo “Os moedeiros falsos”) e Roberto Mangabeira Unger (na entrevista “O ideólogo da terceira via”)—, Cardoso publicou, em 10 de julho de 1994, “Reforma e imaginação”, sua defesa mais vigorosa contra a acusação de que havia “traído seus ideais” aliando-se à direita, um documento importante sobre o “neoliberalismo” brasileiro. É um texto de transição entre o intelectual e o presidente, que cada um julgará se para em pé diante dos resultados posteriores.
Finalmente, quando denúncias de corrupção abalaram o governo tucano, o filósofo José Arthur Giannotti, historicamente próximo de FHC, publicou, em 17 de maio de 2001, “O dedo em riste do jornalismo moral”, manifestando seu temor de que a política de denúncias morais esvaziasse a política, em que, apesar da importância indiscutível das regras, sempre haverá uma “zona cinzenta”.
A filósofa Marilena Chaui, historicamente próxima do PT, respondeu com o belo artigo “Acerca da moralidade pública”, em que defendeu que a imprensa e os partidos de oposição que faziam as denúncias também participavam, legitimamente do debate sobre a fronteira da “zona cinzenta”.
Não sei qual dos dois tinha razão, talvez os dois tivessem, mas hoje está claro que não soubemos gerir bem a convivência da política com a defesa da moral nos últimos anos.
No Brasil de hoje, a zona cinzenta da política é definida cada vez mais arbitrariamente, as críticas de Fiori e Unger parecem mais pertinentes do que foram na era FHC, e o auxílio emergencial, feito nos moldes do Bolsa Família, acabou. Espero que a Folha continue sendo um espaço onde alternativas a esse desastre sejam pensadas, pois, sem sombra de dúvida, elas são mais necessárias do que nunca.