Brexit pode ser terrível para o Reino Unido, mas é espetacular como forma de vencer os trabalhistas
O Partido Trabalhista britânico teve na semana passada sua maior derrota eleitoral desde 1935. O conservador Boris Johnson passou a ter maioria na Câmara dos Comuns para tocar o brexit como achar melhor, dentro dos termos impostos pela Europa.
Os tories venceram em distritos que eram trabalhistas desde a Segunda Guerra Mundial, como as áreas industriais do norte da Inglaterra. Poucas décadas atrás, essas regiões estavam conflagradas contra Margaret Thatcher.
Nos meios de esquerda, a discussão passou a ser quanto do desastre pode ser atribuído à virada à esquerda liderada pelo líder trabalhista Jeremy Corbyn nos últimos anos.
Essa seria uma hora para o centro-esquerdista aqui marcar pontos, mas sugiro cautela.
Corbyn tinha propostas radicais de nacionalização e elevação do gasto público; várias dessas propostas, inclusive algumas com as quais não concordo, são populares. Mas o líder trabalhista também tem uma bagagem pessoal pesada, que inclui gestos a favor de membros do IRA e de um clérigo muçulmano acusado de antissemitismo (Raed Salah). Em uma eleição sobre identidade britânica, nada disso ajudou.
Corbyn tornou-se muito menos popular do que os líderes de oposição britânicos recentes.
Corbyn era fraco, radical demais e tem que deixar a liderança. Mas o problema principal não foi esse. As cartas que Corbyn tinha na mão eram muito ruins. O brexit pode ser terrível para o Reino Unido, mas é espetacular como forma de vencer os trabalhistas.
Na última convenção trabalhista, grande parte da militância queria adotar uma posição fortemente antibrexit. Mas os sindicatos, que fundaram e mantiveram o Labour por mais de cem anos, forçaram a adoção de uma posição complexa, que o eleitorado considerou vacilante.
A oscilação se explica facilmente. Os trabalhadores das antigas cidades industriais apoiaram o brexit. O motivo desse apoio é controverso: talvez identifiquem a União Europeia com a globalização que lhes tirou os empregos, talvez considerem importante reafirmar a solidariedade nacional em uma época de crise.
Qualquer que seja o motivo, a divergência com os jovens trabalhistas das grandes cidades é real. Nenhum líder, por melhor que fosse, teria uma solução fácil para essa divisão em sua base.
Alguns analistas acreditam que os tories podem manter seu novo eleitorado, com alterações na identidade do partido. Junto com Corbyn, o brexit também enterraria Thatcher e criaria um partido conservador nos costumes e mais intervencionista na economia.
Permaneço cético. Acho que Boris Johnson herdou o cobertor curto que era de Corbyn. Os tories agora vão ter que conciliar quem defende o brexit para tornar o Reino Unido mais “americano” com quem sonha com uma versão dos “good old days” que é, basicamente, a Europa dos anos 1950: industrial, social-democrata e com sindicatos fortes.
Se for possível, será uma tremenda obra de engenharia política. Mas pode ter sido só um estelionato. E, se fracassar, a esquerda britânica não estará mais limitada pelo Tratado de Maastricht, que impôs a moderação macroeconômica a governos de esquerda europeus por quase 30 anos.
De qualquer forma, como notou Laura Carvalho, o Brasil vai se isolando como único caso de populismo de direita economicamente liberal. Vejamos por quanto tempo.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).