Em “Um Paciente Chamado Brasil”, ex-ministro da Saúde conta história que se encerra com sua saída do governo
O ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta acaba de publicar um relato de sua passagem pelo ministério durante a pandemia de 2020.
Em “Um Paciente Chamado Brasil”, conta a história que começa na reunião de Davos de janeiro deste ano, em que a pandemia começou a entrar na agenda internacional, e termina com sua demissão, voltando para casa ouvindo Jimmy Hendrix no carro.
Mandetta é cotado para ser candidato a presidente ou vice-presidente (talvez em chapa com Sergio Moro) em 2022. Por isso, algum cuidado com a versão que conta sempre é aconselhável.
Mas também é verdade que sua versão bate muito melhor com o que dizem fontes independentes, a ciência e os números da pandemia do que, por exemplo, a versão de Jair Bolsonaro, que também será candidato em 2022 e já fez coisa muito pior para garantir sua reeleição do que escrever um livro.
A trama central de “Um Paciente Chamado Brasil” já é conhecida, mas é muito importante que tenha sido registrada e assinada por um participante-chave da história: Jair Bolsonaro ignorou completamente a pandemia, não demonstrou qualquer interesse em salvar vidas e só se preocupou com o efeito da quarentena sobre suas chances de ser reeleito.
Alimentava ilusões paranoicas como a de que o embaixador chinês trabalhava para derrubar governos de direita na América Latina.
No que se refere à cloroquina, Mandetta é taxativo: Bolsonaro nunca se interessou pela sua capacidade de curar ninguém. Queria que, com a caixinha de cloroquina no bolso, os brasileiros voltassem a trabalhar, morresse quem morresse.
Via na quarentena uma conspiração dos governadores, em especial de João Doria, para derrubá-lo. E sabotou o Ministério da Saúde em diversos momentos.
Entre os outros personagens, o livro permite a construção de uma espécie de escala que, sempre na opinião de Mandetta, vai dos razoáveis como Campos Neto, os generais Braga Neto e Fernando Azevedo, aos criminalmente irresponsáveis como Osmar Terra e Eduardo Bolsonaro.
Paulo Guedes teria chegado atrasado no entendimento sobre a gravidade da pandemia, o que teria forçado, inclusive, o Congresso a assumir protagonismo na criação do auxílio emergencial.
Além da distribuição de responsabilidades, o livro tem outro interesse: é um relato do choque de um direitista tradicional (Mandetta) diante do extremismo de Bolsonaro, e de como fracassaram as manobras para moderar o presidente.
Mandetta lamenta, por exemplo, que o DEM não tenha encampado Bolsonaro na campanha de 2018.
Imagino que Mandetta o lamente por achar que isso poderia tê-lo moderado.
Já escrevi aqui que a aproximação com o DEM no começo do governo teria sido um sinal forte de moderação por Bolsonaro.
Ele nunca a quis, e, à luz do que Mandetta conta no livro, parece que o DEM teve razão em não bancar Bolsonaro em 2018: ele não parece aceitar moderação nenhuma.
Permanece, entretanto, o fato de que nem a direita tradicional nem os militares nem Guedes nem Moro se mobilizaram com o ânimo necessário para forçar Bolsonaro a agir como um adulto responsável durante a maior crise sanitária do Brasil em cem anos, ou para puni-lo por não tê-lo feito.
Mas mesmo que o tivessem feito, essa era a hora do líder. E Bolsonaro falhou como nenhum outro líder brasileiro já havia falhado.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).