É possível que o relatório nas mãos de Aras force Bolsonaro a fazer uma escolha difícil
Celso Rocha de Barros / Folha de S. Paulo
A CPI da Pandemia deve entregar seu relatório final nos próximos dias. O relatório inclui provas irrefutáveis de que Bolsonaro matou mais de cem mil brasileiros na pandemia, mandou os brasileiros para a morte mentindo que a cloroquina os curaria e deixou seus aliados roubarem dinheiro de vacina.
A CPI foi o melhor momento da República brasileira em muito tempo. Porém, esse notável e, no contexto do Brasil pós-2018, raro momento de “instituições funcionando” pode muito bem não dar em nada.
Para que Bolsonaro seja responsabilizado antes de deixar a Presidência, será necessário que o PGR Augusto Aras o denuncie, e/ou que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dê seguimento a um processo de impeachment.
Até agora, Lira e Aras foram os dois grandes garantidores da impunidade presidencial na era Bolsonaro.
Arthur Lira comanda um esquema de orçamento paralelo que é o que o mensalão seria se clicasse naqueles emails “Aumente seu pênis em meio metro”.
O esquema foi revelado pelo jornalista Breno Pires no começo do ano. Em troca de apoio a Bolsonaro, os deputados conseguem a liberação de dinheiro para projetos que não são sujeitos a qualquer licitação ou controle. É o caso da compra de tratores superfaturados em 260%. O valor da brincadeira é de cerca de 3 bilhões de dinheiro público.
Considerando que morreram 600 mil brasileiros, os deputados bolsonaristas ganham R$ 5.000 por morte de brasileiro que aceitam acobertar. Dito de outra forma, Bolsonaro está se livrando da Justiça pagando R$ 5.000 por brasileiro morto. É o preço de 576 carcaças de frango no açougue em 2021 (R$ 8,68 cada).
Enfim, enquanto Bolsonaro estiver liberando grana para a rapaziada, o Brasil não pode esperar nada de Arthur Lira.
O caso de Aras é mais complexo. Aras garantiu a impunidade de Bolsonaro até agora pela esperança de ganhar uma nomeação para o STF. Entretanto, o segundo, e, salvo imprevisto, último indicado de Bolsonaro para o STF foi o “terrivelmente evangélico” André Mendonça. Aras é terrivelmente várias coisas, mas não é evangélico.
Se a indicação de Mendonça for aprovada pelo Senado, por que Aras ainda teria motivo para ser leal a Bolsonaro? Brasília pode até não punir genocídio, mas costuma punir quem não paga o combinado.
Aras ainda não perdeu a esperança de ir para o STF. O centrão gostaria de vê-lo na Suprema Corte. Por isso vem atrasando a decisão sobre Mendonça, na esperança de que Bolsonaro mude de ideia.
Do outro lado, se Bolsonaro indicar Aras ao invés de um evangélico para o STF, muitos líderes evangélicos usarão o caso como argumento para romper com o governo. A maioria já deve estar com vontade de fazer isso desde que Bolsonaro desabou nas pesquisas.
De modo que, sim, é possível que a CPI produza resultados concretos. A CPI reuniu provas dos crimes de Bolsonaro. Essas provas ajudarão a combater a máquina de mentiras que Bolsonaro já está montando para 2022. As provas reunidas também poderão ser utilizadas em processos judiciais quando Bolsonaro deixar a Presidência. Não é pouco.
Mas também é possível que o relatório da CPI nas mãos de Aras force Bolsonaro a fazer uma escolha difícil. Prefere entrar no ano eleitoral enfrentando um processo por assassinato ou uma crise com a base evangélica dividida? Resta saber se Aras terá a coragem de dar o ultimato.