Não será preciso muito para fazer deste 2021 um tempo melhor do que foi 2020, um annus horribilis, como diria a rainha Elizabeth II, do Reino Unido – se não por outras razões, pelo menos pelo desastre produzido pela pandemia.
A perspectiva da vacina já muda muitas coisas – algumas para melhor. É o que já se pressentiu no último trimestre do ano passado, quando houve boa retomada da atividade econômica, embora ainda faltem os números para dar ordem de grandeza a essa percepção e se possa, enfim, conferir a tal recuperação em “V”, de que tanto fala o ministro da Economia, Paulo Guedes.
As contas externas do Brasil, causa dos enfartes que caracterizaram as crises dos anos 1970 e 1980, continuam em excelente estado. Essa área não preocupa. A eleição de Joe Biden para a presidência dos Estados Unidos aumentou o nível de confiança global, especialmente nas duas últimas semanas de dezembro, quando o Congresso dos Estados Unidos aprovou novo pacote de recursos para enfrentar a crise. A pandemia tende a ser agora nocauteada pela vacina, especialmente nos países avançados. Mas, levando-se em conta que há mais de 200 delas em desenvolvimento ao redor do mundo, não há como negar que há agora luz no fim do túnel.
Os investimentos nos países industrializados têm tudo agora para se destravar e boa parte deles pode chegar ao Brasil, onde novos recordes na produção de grãos devem ajudar a puxar as exportações.
O grande problema do Brasil são as condições internas. As contas públicas continuam em forte deterioração. A dívida pública bruta deve ter fechado o ano em torno dos 93% do PIB (veja o gráfico), mas caminha rapidamente para os 100% do PIB. O governo não tem estratégia clara de enfrentamento. Parece contar apenas com o aumento da arrecadação que se seguiria ao avanço da atividade econômica. O que poderia garantir a volta aos trilhos seriam avanços claros nas reformas administrativa e tributária, mas nada ainda garante esse trunfo.
A economia do Brasil enfrenta três grandes riscos. O primeiro está subjacente ao que ficou dito acima. Trata-se de uma eventual deterioração da confiança que se seguiria à inércia do governo para conter o rombo.
O segundo risco é o do esgotamento do aumento da demanda que reergueu a economia no último trimestre de 2020. Está claro que já não será possível continuar a distribuir auxílios emergenciais, não só pelo refluxo da pandemia como, também, porque o governo ainda não sabe de onde pode tirar os recursos para isso.
Mais preocupante, nada menos que 14,1 milhões de trabalhadores estão lançados ao desemprego. E há outros 5,8 milhões que nem procuram trabalho, porque estão no desalento. Se for confirmada a retomada, já não se espera que o setor produtivo volte a contratar pessoal como antes, porque passou a operar com mais tecnologia e menos mão de obra. Mesmo com a demanda contida, a inflação voltou a se acirrar no segundo semestre de 2020. Ainda não é uma grande preocupação, mas, se alguma coisa der errado, ela pode voltar a disparar.
O terceiro risco tem natureza política e é o de que, já no primeiro semestre, seja deflagrada campanha prematura para as eleições gerais de 2022. As negociações montadas para as eleições das mesas das duas Casas do Congresso e as escaramuças que envolveram o presidente Bolsonaro e o governador paulista, João Doria, em torno da aplicação da vacina do Butantã mostram que esse risco é forte. Seria fator que poderia bloquear decisões que conduziriam ao saneamento das finanças públicas ou à aprovação das reformas e, por aí, minar a confiança na política econômica.
Mas, digamos, a hora é de alívio por 2020 ter ficado para trás.