O programa Renda Cidadã, pretendido pelo governo Bolsonaro, é calote, é pedalada, é contabilidade criativa
Todos os qualificativos sobre o passa-pernas pretendido pelo governo Bolsonaro para criar a Renda Cidadã já foram mencionados pela imprensa: é calote, é pedalada, é contabilidade criativa.
A Renda Cidadã é o nome fantasia com que o governo Bolsonaro batizou o projeto de ampliação do Bolsa Família, que assume características de renda mínima ou de Imposto de Renda negativo.
Antes de seguir adiante, convém deixar claro que um programa social desse tipo não é apenas uma reivindicação das esquerdas ou dos populistas da hora. É uma necessidade de mercado ou do próprio sistema capitalista. Como o contrato de trabalho tal como o conhecemos está a caminho da extinção ou da irrelevância, é preciso cuidar da renda e, portanto, do mercado de consumo e da sobrevivência das próprias empresas. Nesse sentido, importa menos se sua criação tenha um viés eleitoreiro, como de fato tem. Ela passou a ser uma necessidade tanto social como econômica.
O problema é que o governo quer validar gol de mão e, como Maradona, argumenta que é da mão de Deus. Para obter a verba necessária para a Renda Cidadã, avisou que vai pegar recursos do Fundeb (destinados à Educação) e do pagamento dos precatórios. Ou seja, para o governo, haverá menos recursos para o Fundeb e o pagamento dos precatórios ficará para depois, sabe-se lá quando.
Os vícios estão claros. O Fundeb é constituído de recursos que não entram no cálculo do teto das despesas. O que o governo está dizendo é que não há nada de errado em inchar o Fundeb e, depois, transferir os recursos para cobertura de outras despesas. No caso do calote dos precatórios, ficaria validado o procedimento de adiar indefinidamente o pagamento de uma dívida, passada e julgada, seja de precatórios (em geral, consequência de desapropriações), seja outra qualquer.
Há algumas semanas, o mesmo programa social levava o nome de Renda Brasil. Mas Bolsonaro enterrou a proposta quando foi informado de que os recursos sairiam de outros programas sociais, como do próprio Bolsa Família e do seguro-defeso (ajuda aos pescadores na suspensão da pesca). A justificativa do presidente: “Não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”.
Nesta quarta-feira, o ministro Paulo Guedes negou que tenha intenção de usar verbas destinadas ao pagamento de precatórios para o Renda Cidadã. Mas é apenas outra declaração. Não se entende que o guardião do Tesouro esteja disposto a defender gols de mão.
O presidente Bolsonaro ainda vem com o discurso de que, se não for assim, não se faz nada. Como passou a pedir àqueles que repudiam a volta da CPMF, pede agora que os críticos apresentem solução melhor.
Ora, presidente, todos sabemos qual é hoje o tamanho do Estado. Sabemos também que, além de privilégios como o da estabilidade no emprego, os funcionários públicos usufruem dos melhores salários do País e, além disso, boa parte conta com adicionais, com benefícios extras, com aposentadoria e mordomias com que os trabalhadores do setor privado não contam. E há os subsídios, as isenções tributárias e a ideia de congelar as aposentadorias para as categorias mais beneficiadas…
Só no handebol vale gol de mão.