Vinte e nove anos depois da promulgação da Constituição, a nação brasileira demonstra igual ânsia para mudar. Quer mudar. Precisa mudar. Quatro horas da tarde de 5 de outubro de 1988. Brasil festivo. Promulgava-se a Constituição da República. Era chamada de nova, mote adotado na campanha indireta para presidente que precedera a convocação da Assembleia. Envelheceu aquela República? Ou a nova não passou de quimera que se gastou e se mostrou alheia ao batuque cívico das praças?
Vinte e nove anos atrás, aquele dia aparecia como página de uma “história abensonhada” (à maneira de Mia Couto): benção e sonho democrático. Um Brasil desabrochado novo na forma da Constituição promulgada.
Naquela tarde, em seu discurso de promulgação da Constituição, Ulysses Guimarães lembrou o início da caminhada constituinte brasileira: “Dois de fevereiro de 1987. Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A nação quer mudar, a nação deve mudar, a nação vai mudar.”
Vinte e nove anos depois, a nação brasileira demonstra igual ânsia para mudar. Quer mudar. Precisa mudar. E como naquele atestado democrático da fala do presidente da Assembleia Constituinte, a nação vai mudar. Mais: impõe mudanças ao Estado, à política nele praticada, à justiça (ainda demorada) nele prestada.
A vida é feita de mudanças. Algumas mostram-se urgentes. Foi assim antes. É assim agora. Andamos, mas os passos foram cambaleantes, nem sempre numa mesma direção, não tão vigorosos quanto a força e o reclame que a vida exigia.
A democracia oferece segurança ao processo transformador. Sem o direito para assegurar a concretização da ideia de justiça, prevaleceria o acervo de compreensões dispersas, impossibilitando-se a convivência entre as pessoas.
Todo mundo quer justiça. Mas o que é justo para um não é necessariamente o mesmo para o outro. Por isso é essencial o Direito. A ideia central de justiça para um povo, em determinado momento histórico, expressa-se em sua Constituição, de cumprimento obrigatório e igual para todos. Essa sua importância como fundamento do Estado e garantia do cidadão. Ela assegura que a nação mude na forma que lhe parecer adequado sem que o Estado impeça a transformação, sem ficar atrás da sociedade nem se lhe adiantar os passos.
O que socialmente maturado não está, juridicamente legitimado também não.
Vinte e nove anos anos depois, nuvens pesadas ensombreiam manhãs e tardes do Brasil. A noite não traz sossego. Tempo de incertezas.
Mas a semente de justiça continua, certa, a germinar nas normas constitucionais para permitir que floresça a dignidade e a identidade da cidadania brasileira.
A Constituição de 1988 tem o ser humano como seu ponto de partida e de chegada. A dignidade humana é seu centro e sua justificativa.
O Supremo Tribunal Federal guarda-a para que se resolvam tensões e turbulências. Para que retornem os tempos dos sonhos possíveis, que somente a democracia propicia. Por isso há que preservá-la. Porque o Brasil vale a pena. O brasileiro mais ainda. Todo ser humano vale. Por isso, zelar pela Constituição é uma benção a garantir os ideais realizáveis. A lembrança daquela tarde vinte e nove anos atrás é alento e desafio. Como a vida. Que poderá ser melhor. Depende de nós!
* Carmem Lúcia é presidente do Supremo Tribunal Federal