O Brasil possui anticorpos contra antígenos iliberais tanto de esquerda como de direita
É paradoxal o comportamento iliberal de líderes políticos eleitos democraticamente que, uma vez no poder, tentam subverter e enfraquecer as instituições democráticas.
O que diferencia e qualifica regimes democráticos são as respostas que sociedades e instituições ofertam a tentativas de líderes populistas de usurpá-los.
No Brasil, vários presidentes eleitos apresentaram comportamentos iliberais.
Fernando Collor, por exemplo, vilipendiou direitos de propriedade ao confiscar a poupança de milhares de brasileiros. Lula, por sua vez, interferiu nas agências reguladoras e tentou reduzir sua independência. Ameaçou controlar a mídia por meio do “novo marco regulatório dos meios de comunicação”. Dilma tentou dar nova roupagem ao controle da mídia via regulação econômica. Lula também defendeu o controle externo da Justiça como forma de abrir a “caixa-preta” do Poder Judiciário. Haddad falava abertamente em controle social do Ministério Público e do Judiciário.
Como a chegada do PT à Presidência foi marcada por grande esperança, iniciativas iliberais ficaram camufladas e só se tornaram explícitas quando os sucessivos escândalos de corrupção vieram à tona. Até hoje os atos iliberais do petismo têm sido tolerados com base na crença de que as políticas de inclusão social os justificavam. Raciocínio semelhante pode ser atribuído ao governo Collor, com os efeitos de controle da hiperinflação de curto prazo.
As iniciativas e discursos de conteúdo iliberal também têm sido a tônica do governo Bolsonaro. Elogios recorrentes à ditadura e a torturadores já o condenam. Quando candidato, falava em aumentar o número de ministros da Suprema Corte. Tem atacado jornalistas e órgãos de imprensa. Seu ex-secretário de Cultura plagiou discurso nazista ao lançar edital iliberal que excluía do financiamento público a diversidade de expressões culturais que não se adequasse aos valores nacionais e conservadores.
Entretanto, diferentemente de outros populistas do passado recente, o governo Bolsonaro já teve início sob um intenso escrutínio. Essa atitude vigilante da sociedade e das organizações de controle é consequência direta da retórica belicosa e desrespeitosa desde quando Bolsonaro ainda era candidato à Presidência. Portanto, o espaço do governo de agir de forma iliberal já é menor que o de outros populistas, assim como os riscos de que suas ações enfraqueçam a democracia.
A despeito das inúmeras demonstrações de resiliência a retóricas e ações iliberais de populistas de esquerda e de direita, alguns analistas insistem que os riscos à democracia seriam reais e maiores com Bolsonaro. Citam exemplos de Venezuela, Polônia, Hungria ou Turquia, onde o enfraquecimento da democracia foi possível inclusive com apoio popular. Esse risco seria potencializado em contextos de extrema polarização, em que eleitores estariam dispostos a abrir mão de um sistema democrático para ter um país que se aproximasse de suas preferências extremas.
Entretanto, consentimento popular a saídas autoritárias só é dado em um contexto de terra arrasada do ponto de vista institucional, o que nem de longe é o caso do Brasil. Ao contrário de se esgarçarem, os freios e contrapesos do sistema político brasileiro só se fortaleceram desde a redemocratização, ainda que de forma não linear. Mesmo que parte da sociedade brasileira se seduza com iniciativas iliberais, encontrará organizações de controle já imunizadas contra diferentes cepas de populismos.