Atuação de organizações de controle mostram que são falsas as ameaças à democracia
Nesta semana, completo um ano como colunista quinzenal de política do Estadão. Foram 27 colunas, nas quais abordei vários temas relacionados ao desenho institucional e ao funcionamento da democracia brasileira, especialmente as interações e conflitos entre o Executivo, Legislativo, Judiciário e a sociedade. Um dos temas mais recorrentes foi a discussão sobre a solidez/fragilidade de nossa democracia. Procurei me contrapor à interpretação dominante entre os meus colegas cientistas políticos e articulistas que acreditam que a democracia está sob risco iminente com a presidência de Jair Bolsonaro.
Neste primeiro aniversário da coluna, “dobro a aposta”. Afirmo que as ameaças do presidente Bolsonaro à democracia brasileira são falsas. “Não críveis”, como dizemos no jargão da ciência política. Não porque Bolsonaro seja um democrata convicto ou porque não tente, a todo momento, fragilizar as instituições democráticas do País. Bolsonaro já deu inúmeras demonstrações, mesmo antes de ser eleito, do seu pouco apreço pelos procedimentos, ritos e valores democráticos. Nem mesmo aqueles eleitores sem qualquer vínculo identitário com o reacionarismo que Bolsonaro representa podem se sentir enganados pelo presidente. Ou seja, não podem hoje alegar que compraram “gato por lebre”.
Pode parecer paradoxal, mas o funcionamento pleno da democracia não requer de seus cidadãos, e nem tampouco de seus governantes, convicções ou “profissões de fé”, ou mesmo comportamentos consistentes com os valores democráticos. Não resta dúvida que melhor seria se uma parcela cada vez maior de eleitores e de atores políticos acreditasse e confiasse que seus conflitos pudessem ser resolvidos institucionalmente.
Entretanto, a estabilidade e a qualidade da democracia não se medem por convicções, mas pelo respeito aos procedimentos e, especialmente, pela capacidade de reação das instituições democráticas e da sociedade de impor perdas diante de potenciais comportamentos desviantes de seus governantes. Neste quesito particular, o Brasil tem sido um exemplo entre as democracias, inclusive as mais consolidadas.
Mas quando, afinal, populistas eleitos democraticamente são capazes de transformar suas ameaças em fato? A resposta a essa pergunta é clara: quando as instituições e a própria sociedade não apresentam capacidade de resistência e de reação à altura das ações que pretendem subvertê-las. O potencial de populistas, como Bolsonaro, de causar estragos duradouros à democracia está sempre presente. Mas esse potencial é diretamente relacionado a sua capacidade de, por um lado, expandir os seus poderes e, por outro, de enfraquecer os demais. Mas, esse potencial tem sido mitigado, pelo menos até o momento, pela atuação firme das organizações de controle e da vigilância implacável da mídia e da sociedade a qualquer irregularidade ou descaminho seguido pelo governo.
O governo Bolsonaro, na realidade, tem amargado perdas sucessivas tanto no Legislativo como no Judiciário. A avaliação negativa de seu governo não para de subir. Seus vínculos com a sociedade têm se restringido a um núcleo duro cada vez menor de conservadores identitários. O inquérito das fake news no STF tem um potencial devastador sobre o seu governo. Além do mais, estamos testemunhando a ação conjunta de várias lideranças políticas de matizes ideológicas distintas em favor da democracia que não se deixam enganar pala astúcia que espreita sob as bravatas do presidente.
É a atuação das organizações de controle e da sociedade que de fato tem revelado o quanto são falsas as potenciais ameaças de Bolsonaro à democracia.
Bolsonaro é, de fato, fake!