Carlos Melo: ‘Os economistas viraram as costas para a política’

Cientista político do Insper afirma que o cenário já estava deteriorado, mas as expectativas econômicas não refletiam a falta de governabilidade.
Foto: El País
Foto: El País

Cientista político do Insper afirma que o cenário já estava deteriorado, mas as expectativas econômicas não refletiam a falta de governabilidade

Por Cássia Almeida, de O Globo

A instabilidade política tem afetado a economia?
Os economistas demoraram muito a perceber como a situação política estava se deteriorando e os efeitos disso na economia. Os economistas viraram as costas para a política. Com Dilma (Rousseff ), achavam que o (ex-ministro da Fazenda Joaquim) Levy ia fazer o ajuste fiscal. Depois, que o impeachment resolveria a situação, que o (ex-ministro da Fazenda Henrique) Meirelles resolveria a crise a ponto de deixar (Michel) Temer numa condição de candidato este ano. Depois começaram a dizer que o (ex-prefeito de São Paulo João) Dória ia bem nas pesquisas e que o (ex-governador de São Paulo Geraldo) Alckmin vai fazer as reformas. Chegam a dizer que o (deputado Jair) Bolsonaro, com o economista liberal Paulo Guedes, vai fazer as reformas. Percebe a loucura disso? O mercado quer sempre encontrar um lado positivo, sempre obscurece a situação crítica que estamos vivendo.

A política tem ditado o comportamento da economia?
Não só agora, mas sempre. A economia não tem autonomia. Funcionam juntas. Essa história de que a economia tem autonomia e não depende da política, como se dizia no começo deste ano, não existe. Em poucos momentos, a economia conseguiu influenciar a política: no milagre econômico nos anos 1970, no Plano Cruzado (1986), no Plano Real (1994) e no choque de crédito do governo Lula.

Quais são as incertezas da política?
A primeira incógnita é se quem vai ganhar a eleição vai conseguir governar, aprovar reformas, vai ter maioria ou vai sofrer um impeachment.

Mas o presidente Michel Temer conseguiu algum apoio do Congresso.
Houve uma renovação, com cerca de 15 mil cargos do PT que foram redistribuídos. Serviu para aprovar o teto de gastos, mas não serviu no segundo ano. E ainda teve o caso Joesley. A credibilidade foi se desgastando, foi perdendo o controle do processo. Não tinha autoridade política para apelar para a sociedade e controlar a voracidade do monstro. Parece que, enfim, acabou a ilusão em relação ao Temer ser um exímio articulador, que iria aprovar o que quisesse. Isso era cascata, balela. É um sistema baseado na fisiologia, mas os recursos fiscais acabaram e não permitem mais esse fisiologismo. Ele nunca passou perto de ser um estadista que tenha conseguido romper a lógica fisiológica e estabelecer a lógica de reformas.

O próximo presidente pode esperar algum apoio no Congresso?
Há ciclos no presidencialismo de coalização. O primeiro governo é uma maravilha, há todos os cargos à disposição. Faz a redistribuição, e o presidente consegue maioria fácil. O fisiologismo é voraz. Negocia no começo do governo, três meses depois, quer mais. Vem a reeleição, você dá mais. Deu cargos, emendas, diretoria de estatal. O problema é que houve um ciclo de quatro mandatos, não houve renovação. No primeiro ano do segundo mandato de Dilma, houve o colapso do sistema, e ela não conseguiu aprovar nada. Faltaram habilidade e recursos. O centrão virou o dono da Câmara, baseado no fisiologismo, com crise fiscal terrível, o governo não teve o que dar e o resultado foi impeachment.

Qual o perfil do candidato para esse momento do país?
A alternância de poder ajuda, mas o ideal é um candidato que tenha liderança política pessoal, que compreenda a importância de se comunicar. Não dá para ser um burocrata, tem que ser crível, persuasivo, carismático, para fazer a sociedade entender a necessidade das reformas. Um candidato que saiba construir as bases da governabilidade em outros termos. Uma base que se fixe na ideia da reconstrução do Brasil.

Vê alguém com esse perfil entre as opções atuais?
Infelizmente, não.

Privacy Preference Center