A decisão do ministro Edson Fachin traz um fato dentro do fato: foi tomada pelo maior aliado que os ex-membros da Operação Lava Jato possuem Supremo Tribunal Federal; aparentemente, aquele que guarda mais concordância com o que foi feito nos processos que condenaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não foram os tradicionais críticos e desafetos dos procuradores de Curitiba e de Sérgio Moro que se impuseram. Foi Edson Fachin. E isso dá maior força à decisão, tornando-a ainda mais simbólica.
Outra dimensão diz respeito ao jogo político: a condenação de Lula, desde sempre questionada por parcela da comunidade jurídica, mais uma vez se torna elemento de disputa política. Agora, com sinal trocado. Se antes, desafetos do ex-presidente usavam a Justiça para detratá-lo; neste momento, serão seus aliados que evocarão a mesma Justiça para erguer a bandeira de sua vitimização. Isso traz saldos.
Abre-se, assim, um novo campo na cena conjuntural. À parte de erros gritantes, Bolsonaro se dava ao luxo de ainda não ter um antagonista à altura, que se impusesse política e eleitoralmente. Um adversário de carne e osso. João Doria, é verdade, tem tentado. Mas, vindo de um apoio ao presidente em 2018, estava na defensiva. O resto do chamado centro se perde repleto de nomes e sem alternativa clara. Com Lula, é diferente.
O petista reemerge para o jogo político com pelo menos duas vantagens: a primeira, a narrativa do injustiçado, como já se disse. A segunda, beneficiado pelo pior momento e pelo desgaste amplo e geral do adversário. A lista é grande: a condução do governo na pandemia é literalmente uma tragédia, a crise econômica carece de rumo, já é reconhecido o estelionato eleitoral no combate à corrupção e na conversão ao liberalismo; os problemas com os filhos, a mansão de Flávio Bolsonaro, tudo faz sangrar.
Além, é claro, o mau humor da comunidade internacional com o Brasil. O temor do mundo de que o País possa, em razão das atitudes de Bolsonaro, significar o maior risco do planeta na proliferação de novas variantes do vírus.
Num cenário visto assim tão de perto, é difícil afirmar que a liberação de Lula possa de algum modo favorecer a Jair Bolsonaro. Contudo, há que se considerar que, é verdade, o presidente passa a ter a bandeira do antipetismo para empunhar novamente. Seus argumentos serão mais frágeis e sua credibilidade muito mais abalada do que em 2018, mas não deixará de ser oportunidade de um evocação às bases. Uma ordem unida para juntar a tropa.
Evidente que, ainda sob o impacto do fato novo, não se sabe como militares, eleitores e políticos de centro, além de setores da economia, reagirão a esse chamamento. Nem como Lula se comportará nesse primeiro momento: dará vazão ao ressentimento, articulará novos pactos e alianças, ou deixará que, por enquanto, Bolsonaro sangre na soma de seus erros? O certo é que a decisão de Fachin acelerou o processo.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.