Carlos Andreazza: A pressa de Ciro

Ciro sabe que precisa se consolidar — como opção esquerdista viável, competitiva — antes de Lula indicar seu candidato.
Foto: Ciro Gomes/Facebook
Foto: Ciro Gomes/Facebook

Ciro sabe que precisa se consolidar — como opção esquerdista viável, competitiva — antes de Lula indicar seu candidato

A esquerda estará no segundo turno. Ignorar essa obviedade é desprezar a existência do Nordeste e a natureza do mapa eleitoral brasileiro conforme cristalizado principalmente a partir de 2006 — ano da reeleição de Lula, o primeiro em que o Bolsa Família se impôs como elemento determinante para o voto, um programa de transferência de renda eficaz sobretudo como ferramenta para cadastramento e acesso a informações de milhões de cidadãos. Não há novidade nisso, senão no fato de que, decisivo há três eleições, o Bolsa Família ainda seja menosprezado pelos que fazem análise política neste país.

A esquerda estará no segundo turno. O padrão demográfico do Brasil explica. Ciro Gomes sabe disso. Daí a sua pressa. Ele sabe também que precisa se consolidar — como opção esquerdista viável, competitiva — antes de o momento vindouro em que Lula indicará seu candidato. Porque o PT terá candidato — um petista. Trata-se de questão estratégica para a sobrevivência do partido, vencedor das últimas quatro eleições presidenciais, que contempla e até trabalha com a possibilidade (grande) de afinal ser derrotado, mas que não pode arriscar a hegemonia sobre a esquerda brasileira erguida no curso de quase 40 anos. É o que está em jogo, para muito além da eleição.

Ciro sabe, pois, que são remotíssimas as chances de o PT apoiá-lo no primeiro turno. Em troca de quê? Daí a sua pressa. Pressa e cálculo. Único que ora se move, e com primor, num tabuleiro eleitoral de resto engessado, ele sabe que precisa estar robusto — estruturado, com alguma aliança claramente percebida como de esquerda, donde o cortejo a PSB e PCdoB — para quando, logo adiante, as especuladas e fraquíssimas hipóteses de candidatura petista se converterem, sob a palavra do ex-presidente, no candidato de Lula. É erro grave apoucar a capacidade de transferência de votos de um homem que, mesmo preso, há dois meses mantém estáveis 30% em pesquisas de intenção de voto, dois terços dos quais declaradamente dispostos a migrar para o indivíduo que apoiar — seja quem for o ungido, com considerável probabilidade de avançar à segunda rodada se superar a casa dos 15%. Alguém duvida?

Insisto que, para o Partido dos Trabalhadores, nas circunstâncias em que se encontra, as eleições de 2018 são menos sobre vencer do que permanecer — não perecer. De todo modo, olhando para a dinâmica do mundo real, convém relativizar os sentidos e as proporções do que seja ganhar. Ou o PT não sairá vitorioso, ademais reafirmado como senhor da esquerda nacional, caso consiga fazer seu candidato — o escolhido de um líder presidiário — avançar ao segundo turno? É o que está em jogo.

Tempos difíceis virão para Ciro Gomes, portanto. Ele faz tudo certo, no ritmo correto, mas sabe que, ainda assim, maiores são as chances de que sua candidatura seja tragada pela assunção daquele escolhido para representar — para ser — Lula nesta eleição, pleito para cujo componente plebiscitário, a própria definição da tática petista, novamente chamo atenção: parcela não desprezível do eleitorado votará em 2018 não para presidente, mas sobre se o ex-presidente é ou não culpado, é ou não injustiçado.

Sugiro não desmerecer as pesquisas eleitorais que apresentam, por exemplo, Fernando Haddad expressamente como o candidato de Lula, situação em que o ex-prefeito de São Paulo — na casa de 2% quando apregoado como representante do PT — alça voo instantâneo ao seleto clube dos dois dígitos. Desqualificar essa simulação induzida sob o argumento de que condicionaria a opinião do entrevistado é se cegar para o que em nada mais consiste do que antecipação do ambiente real da campanha, conforme veremos a partir de agosto. Haddad é Lula, Haddad é Lula, Haddad é Lula — qualquer Jaques Wagner será.

Testar e estudar cenários em que um fulano petista seja identificado como o escolhido do ex-presidente é obviedade lastreada não apenas na experiência de eleições passadas (que exprimiram uma manifestação de popularidade), mas no movimento de guerrilha — de natureza plebiscitária — por meio do qual Lula ora capitaliza a politização de seu cárcere concentrando o discurso exclusivamente no terço do eleitorado que jamais lhe faltou, investimento seguro numa manifestação agora de resistência. Não importa se apelo artificial. Artificial para quem? A mensagem é clara e se destina a receptor doméstico e domesticado: seja quem for o candidato petista, Lula será — e isso, essa associação quase religiosa, vendido com intensidade jamais vista, como próprio a quem peleja por não morrer.

Ciro tem pressa. Dificilmente, porém, não será a primeira vítima — talvez mesmo a única — da estratégia lulista. O PT — quem diria? — precisa de pouco.

* Carlos Andreazza é editor de livros

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