Depois das manifestações massivas no Chile e no Peru, chegou a vez da Guatemala. Milhares de manifestantes saem às ruas do país, num roteiro semelhante aos eventos de 2015, que terminaram com a queda e posterior prisão do então presidente do país. O movimento tem bandeiras claras: combate à corrupção e alocação eficiente dos recursos públicos. O estopim da crise foi a proposta de orçamento, que embute aumento expressivo da dívida pública, em benefício de alguns setores empresariais, com a redução concomitante dos recursos destinados à saúde e à educação. A renúncia do presidente já é discutida abertamente, até nos círculos governistas.
Nas diferentes capitais da América Latina sucedem-se manifestações intermitentes de insatisfação política. Na verdade, todos esses eventos são as manifestações visíveis do mesmo terremoto que opera nas profundezas do subcontinente. Para pensar esse terremoto, podemos usar, a título de hipótese, a expressão “paradoxo da educação mínima”, em analogia com as armadilhas da situação de “renda média”, que anima o debate econômico.
A descrição do paradoxo é simples. Em situações de legalidade democrática e relativa estabilidade econômica, com acesso à informação em tempo real, um pequeno crescimento nos níveis de escolaridade dissemina na população, simultaneamente, a consciência de suas carências e da responsabilidade do Estado pela sua superação. A agenda política que daí resulta tem duas caras: eficiência dos serviços públicos e, para chegar a tanto, aperfeiçoamento das instituições. Na linguagem comum, reforma política e reforma democrática do Estado.
No Brasil, a sequência temporal entre progresso educacional e nova agenda foi clara. A universalização do ensino fundamental entre nós data de fins do século XX e a primeira geração que sofreu o seu impacto foi protagonista das manifestações de 2013. O processo constituinte, em debate no Peru, está acordado no Chile. Na Guatemala, teremos que aguardar os desdobramentos do processo para ter alguma clareza a respeito de seu desfecho provisório.
Não é a primeira vez que países da América Latina partilham o mesmo conjunto de tarefas e desafios históricos. Em anos não muito distantes, a tarefa de pôr fim às ditaduras e reiniciar a ordem democrática foi enfrentada com sucesso, seguida, quase de imediato, pela conquista de algum patamar de estabilidade econômica. Nesses momentos, em consonância com as especificidades históricas de cada país, foram constituídos operadores políticos à altura das demandas da conjuntura.
Hoje, em contraste, as demandas estão claras, para população e para os atores da política, mas o ritmo da política é mais acelerado e os operadores competentes demoram mais a aparecer.
*Sociólogo, diretor da Fundação Astrojildo Pereira