Fico pensando na angústia dos jovens e dos senhores que acreditam nesses aparatos sexuais e no que eles lhes prometem
Quando comecei a usar um computador, bem antes de eles se tornarem veículos de selvageria política através das redes sociais, não me lembro de ter recebido chuvas de propaganda de tudo, como acontece hoje em dia. Talvez me chegasse um ou outro anúncio de equipamentos digitais que prometiam transformar minha vida num paraíso de facilidades. Mas, com imperícia e espanto, levei algum tempo para me convencer de que o Google, por exemplo, tinha a resposta para todas as minhas incertezas de nomes, datas e circunstâncias.
Lembro-me de quando um querido amigo, com quem eu jantava, precisou responder a seu filho adolescente sobre uma escalação do nosso Botafogo, na final de longínquo campeonato carioca. Em casa, antes de dormir, procurei meu velho compêndio sobre o clube, para checar a informação. Eu e o menino poderíamos estar sendo vítimas de um golpe de prestígio, dado por seu pai. Mas o Google tinha razão. O Botafogo ganhara o título de “Glorioso” no tetracampeonato de 1934, quando nosso artilheiro fora Carvalho Leite. E a seleção brasileira, na Copa do Mundo daquele ano, tinha por base o time alvinegro.
Hoje, antes de consultar o Google, sou bombardeado pelos anúncios que me chegam pela internet. Anúncios em quantidade cada vez maior. Os mais recentes têm me incentivado a aumentar o tamanho do pênis e me armar de produtos que estimularão “minhas parceiras”. Fico pensando na angústia dos jovens e dos senhores que acreditam nesses aparatos sexuais e no que eles lhes prometem.
Nos últimos tempos, não é mais ao desejo sexual que se dirigem os anúncios intempestivos, mas a outra forma de afirmação: as armas. Tenho recebido propaganda constante de fuzis e pistolas, de soco inglês e de aparelhos destruidores de desconhecidos que nos podem incomodar. Recebo, há dias, anúncio de “lanterna de choque para defesa pessoal”, um “aparelho de choque de altíssima voltagem”. No final da propaganda, o aviso humanitário: “não deixar ao alcance de crianças e não usar no intuito de brincadeira com amigos”. Ou seja, pau puro.
Enquanto isso, viaja para outras galáxias gente que nunca precisou de fórmulas sexuais ou armas de fogo para impor ao mundo o que sabiam fazer. Dois deles partiram semana passada: o jornalista e crítico de cinema Rubens Ewald Filho e o empresário fonográfico André Midani. O primeiro nos divertia há anos, com suas críticas informadas e bem-humoradas. O trabalho do segundo enriqueceu a história da música do país, gravando e promovendo o melhor da bossa nova, da MPB, do tropicalismo e do rock brasileiro, do primeiro disco de João Gilberto ao dos Titãs. No auge da Philips, André mandou publicar, com foto de sua constelação de astros contratados, um anúncio com a frase: “Só falta o Roberto”. E André bem merecia o Roberto também.
Entre uma coisa e outra, recebi, no meu endereço de e-mail, surpreendente mensagem, como segue. Vocês sabem de quem.
“Depois de criar aquela beleza toda, dei a Terra de presente aos dinossauros. Achei que aqueles bichos imensos iam fazer do planeta o paraíso que ele devia ser, de acordo com a grandiosidade da natureza que eu havia criado. Já estava me preparando para dar aos dinossauros a qualidade do raciocínio, quando Miguel me advertiu de que eu devia esperar mais um pouco, para ter certeza de que aqueles bichos mereciam o melhoramento. O arcanjo tinha razão. Os dinossauros brigavam muito entre eles e foram ficando cada vez mais repelentes, com aquela coisa de serem répteis. Mandei então um supermeteoro que caiu no México, para acabar com eles.
Passei alguns milhões de anos entediado, sem saber o que fazer para aproveitar a beleza toda do planeta, aquele ensaio de Éden. Fui salvo por uma ideia nova, dessa vez de Gabriel, que me sugeriu criar um novo bicho, à minha imagem e semelhança. Assim, estaria tudo sob controle. Mas fiz uma besteira e ensinei o homem a criar. E eles tomaram certas liberdades comigo e me ensinaram a amar. Foi um inferno!
Tentei resolver a parada acabando com tudo outra vez, agora sem usar fogo, só água. Um dilúvio. Mas também não deu certo. No início, eles topavam até sacrificar seus filhos em minha honra. Mas é claro que eu não deixava eles concluírem essa coisa bárbara, o horror do filicídio. Eu queria é que eles fossem seres mais civilizados.
Depois inventei a Guerra Fria, duas nações em disputa derradeira, para encontrar equilíbrio, com receio uma da outra. Mentiras e porrada dos de lá acabaram com os sonhos dos de cá, que perderam a esperança. Os de cá, por sua vez, não tinham mais de quem ter medo, resolveram botar pra quebrar na exploração de todo mundo. Era isso o que sempre quiseram, botar pra quebrar na exploração de todo mundo.
Agora não tenho mais vontade de fazer nada. Por mim, deixo rolar. Estou cansado de tentar resolver a parada que é deles. Acho que já me acostumei com a merda geral”.
Tenho a impressão de que Ele está querendo que eu faça um filme sobre tudo isso. Vamos ver.