O coronavírus é uma formação natural de um mundo que ainda não conhecemos, equivalente ao que foi a Gripe Espanhola
O planeta nunca foi o mesmo. Ao longo do tempo, temos passado ao largo dessa questão, como se ela não nos importasse para entendermos melhor onde estamos. E o que enfrentamos, a cada momento, para existir. Um simples dado ignorado sobre o planeta pode nos revelar alguma coisa fundamental sobre nós mesmos. Talvez esse simples dado, sobre a existência do que não conhecemos, nos explique o que não conseguimos explicar até agora.
O calor excessivo na Europa, as cheias no continente asiático, as recentes chuvas de inverno durante o nosso verão devem ser uma reação da natureza ao que temos feito de errado no mundo. É como se fôssemos room mates num Airbnb apertado, reclamando do comportamento um do outro. Embora não saibamos quem é esse “outro”, formado no mesmo espaço que nós. Cada fenômeno daqueles é um gesto de nossos parceiros para nos chamar a atenção para o que deve estar errado. Ou então uma simples declaração de guerra, sei lá de que tipo.
Quando nossos erros se concluem antes de um desastre final, nossos parceiros deixam pra lá, esperam que desvendemos o fracasso de nossas más ideias. Outro dia, um daqueles príncipes do Oriente Médio ofereceu ao Brasil fazer parte da Opep, a organização dos países exportadores de petróleo. O cara deve ter feito o convite porque quase ninguém mais quer saber da Opep, por causa das novas fontes de energia.
No nosso recente leilão de pré-sal, não apareceu quase ninguém. Ninguém está mais a fim de gastar fortunas na exploração de petróleo, quando o mundo desenvolve a mil, e já usa, novas fontes limpas de energia, como a a eólica e a solar. Só a Petrobras adquiriu reservas.
O novo coronavírus é um sinal desse confronto entre o que foi vantagem no passado e hoje não é mais. Ele representa uma parte da natureza que não tem nada a ver com o que é inteligente ou não, como costumamos opor os seres em nossa cultura. O coronavírus é uma formação natural de um mundo que ainda não conhecemos, equivalente ao que foi a Gripe Espanhola, no final da Primeira Guerra Mundial. Um alerta contemporâneo.
No dia 11 de novembro de 1918, era assinado o tratado de paz que encerrava a Grande Guerra. Com mais de 16 milhões de vítimas e histórias de arrepiar qualquer um de tanta violência e crueldade, essa Guerra seria responsável por um número de mortes que acabou sendo pinto perto de outra tragédia simultânea: a chamada Gripe Espanhola, que muitos acreditam ter acabado com de 30 a 50 milhões de vidas, em todos os continentes. Curiosamente, como o coronavírus, a trágica epidemia não era uma gripe, mas o resultado do surgimento e multiplicação de um vírus até então desconhecido.
Segundo historiadores da época, apesar do nome da epidemia, o vírus tinha sido trazido da costa leste americana para a Europa, pelos combatentes dos Estados Unidos, que haviam entrado na Guerra em abril de 1918. Da Europa, os navios americanos e os de seus aliados o levaram para o resto do mundo, chegando ao Rio de Janeiro no mês de setembro daquele ano, num navio britânico que deixou aqui a Gripe que não era gripe, espalhada entre as meninas da Praça Mauá. E elas a transmitiram ao resto da cidade, onde a epidemia atingiu 600 mil habitantes, mais da metade da população. Como no caso do coronavírus, os que praticavam viagens transcontinentais eram os responsáveis por espalhar o vírus fatal pelo mundo afora.
A insanidade da Guerra, agravada no último ano pela Gripe devastadora, se reflete, por exemplo, no grito de guerra dos soldados balcânicos: “Apaguem a luz e saquem as facas!”. A destruição impiedosa do Império Alemão que, segundo seus fiéis, “tinha sido forjado para durar por toda a Eternidade”, foi depois decisiva na consolidação do revanchismo nazista de Adolf Hitler. Alma Mahler, que fora casada com o pintor Gustav Klimt, depois com o músico Gustav Mahler e ainda com o arquiteto Walter Gropius, envolvida portanto com gente artística e politicamente revolucionária, odiava de tal modo as revoluções, sejam de que natureza fossem, que, no fim da vida, escreveu em sua biografia que sonhava com “a volta do esplendor vindo de cima, a submissão silenciosa da estrutura escravagista da humanidade. (…) O grito das massas é uma música infernal”.
O coronavírus, como a Gripe Espanhola, é uma espécie de resistência da natureza às nossas barbaridades. Uma resistência que ajudamos a tornar de caráter global graças ao progresso e ao poder, como se fôssemos estimulados por forças que não compreendemos, nem somos capazes de enfrentar. É claro que o coronavírus nos faz mal e por isso devemos combatê-lo. Mas sempre lembrando que ele vem de um mundo ao qual também pertencemos e ao qual devemos atenção e respeito, até conhecê-lo melhor.