Tenho torcido para que as eleições de outubro de 2018, daqui a menos de um ano, representem uma refundação do país, com novas ideias, políticas e pessoas públicas, com novos projetos capazes de reinaugurar o Brasil. Mas, pelo jeito, está difícil. Ainda não vi um só movimento nessa direção.
Do ponto de vista dos atores do drama, ainda não ouvimos falar de um só nome que não esteja comprometido, de algum modo, com o passado perverso da vida pública nacional. Ninguém representa alguma coisa que já não esteve ou ainda está instalada nos palácios de Brasília. Até agora, ninguém teve coragem de dizer que não quer nada disso que está aí, seja do governo ou da oposição.
Aquilo que se considera de direita, que sempre foi raivosa e sem charme, se organiza defendendo uma economia liberal, sob controle de política autoritária. A esquerda, cada vez menos charmosa e mais raivosa, defende uma economia sob o controle do Estado, com uma política liberal para os museus de todo o país. E tome porrada de um lado e de outro, sem um minuto sequer de reflexão sobre o que está se tornando o mundo de hoje.
Não são os políticos que são corruptos e não prestam por sua própria natureza. Talvez seja a política que já é tudo isso em si mesma. Talvez seja o jeito dela de se organizar, o modo único que a faz funcionar entre nós, a necessidade maldita sem a qual ela não pode existir. O que talvez precisemos mudar é justamente esse caráter necessariamente perverso da política, reorganizar o sistema de representação popular de outro jeito, sem deixar ao alcance de seus agentes o que os faz bandidos, eliminando o que os tenta, seja isso recursos materiais ou poder excessivo.
Em alguns países do mundo, o controle dos políticos pelas sociedades locais tem sido muito mais eficiente. Primeiro, porque esses países vivem essa experiência de representação há mais tempo, estão mais calejados. Depois, porque as estruturas institucionais desses países, sendo mais antigas e treinadas, são bem mais sólidas e rigorosas que as nossas. Mesmo assim, vimos o que aconteceu na Itália no fim do século passado, durante a Lava-Jato deles; ou na França, com a queda de quatro ministros recém-nomeados, logo depois da eleição de Macron.
O político canalha é um fenômeno universal que só alcança tanto destaque no Brasil porque aqui a vigilância é insuficiente e nada competente. As sociedades não podem ser a polícia permanente de seus representantes no Estado. É preciso que elas confiem neles de verdade, que tenham com eles uma real sensação de correta representação, sem servir-se de vantagens indevidas.
O mais importante, o primordial, é mudar a estrutura da política, mudar as regras do jogo, inventar um novo jogo. A forma que conhecemos de representação popular não passa (com poucas exceções individuais) de uma “representação”, no sentido teatral da expressão. Precisamos tratar da representação democrática (a única que vale a pena) no mundo contemporâneo, através das novas tecnologias, dos novos modos de manifestação da população, das estratégias de definição ideológica praticadas hoje.
Mas sei que aí já é querer demais da grande maioria de nossos pobres congressistas que ainda vivem no século XIX. À direita ou à esquerda.
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Esta semana, será votada a renovação da Lei do Audiovisual, cuja vigência estaria se encerrando no final de 2017. Essa lei, promulgada em 1993 durante o governo Itamar Franco, se renovou e progrediu desde então, graças às contribuições dos governos seguintes de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff. De um modo ou de outro, todos esses governos reconheceram a importância da lei e colaboraram com seu fortalecimento.
Nesses 24 anos de existência, a Lei do Audiovisual produziu uma história moderna e fluente do cinema brasileiro, que deixou de existir apenas em curtos ciclos de vida, como antes dela. Graças a essa lei, o Brasil produziu, no ano passado, 143 filmes de longa metragem, um número nunca antes alcançado por nós ou por qualquer outro país latino-americano. Em 2017, a previsão é de uma produção de cerca de 160 filmes de todos os gêneros, regiões e gerações.
O cinema brasileiro vem produzindo filmes de sucesso comercial, como “Os dez mandamentos”, “Tropa de elite” ou “Minha mãe é uma peça”, entre muitos outros; assim como filmes cujo valor artístico é reconhecido inclusive internacionalmente, como “Central do Brasil”, “Cidade de Deus” ou “Aquarius”, entre muitos outros. São filmes que fazem de nosso cinema uma cinematografia diversa.
A irracional criminalização da cultura a que assistimos hoje, produto de um pensamento político inimigo da liberdade de expressão, tem combatido o mecanismo criado pela Lei do Audiovisual e outras (como a Rouanet), por excessivas. Mas o incentivo fiscal à cultura (e não só ao cinema) representa muito menos do que 1% do total dos incentivos concedidos pelo Estado brasileiro a outras atividades econômicas. Está barato para fazer o país se divertir e pensar, que é o que o cinema melhor faz.
* Cacá Diegues é cineasta