Comportamento do ministro da Saúde agravou mais ainda o silêncio do presidente sobre o coronavírus
Como é bom falar bem, com sinceridade no coração, de alguém que trabalha para alguém que não merece elogio. Em política, isso só é possível numa democracia, quando criticamos mas nem por isso desejamos que quem está do outro lado morra. Mesmo quando esse outro lado, muitas vezes, deseje a nossa morte, que a gente desapareça para sempre.
Para quem não acredita que um governo ruim possa contar com um bom servidor, recomendo acompanhar e avaliar, sem o peso desagradável do chefe, os serviços que vêm sendo prestados pelo ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta. Desde que as maldades do coronavírus começaram a se manifestar, nesse inicio de 2020, o ministro Mandetta tem sido de uma total presteza e serenidade. Ele tem nos alertado diariamente sobre a expansão para o Brasil do vírus, anunciando inclusive que não são mais 20 ou 30 suspeitos de infecção, mas 200, 300 ou mesmo uns 500. Ao mesmo tempo, ensina à população os meios mais simples e eficientes de evitar a contaminação. O ministro acaba por nos ensinar até a como lavar as mãos.
Mandetta tem participado ativamente desses dias difíceis, nos propondo calma em ações nas quais estão a perigo nossos parentes, vizinhos e amigos mais próximos. Ele tem praticado na televisão, nas redes sociais e em quaisquer outros meios de comunicação que por ventura alcance, um modo de evitar o pânico, sem deixar de nos alertar para a gravidade da situação.
Outro dia, fiquei surpreso quando, em debate numa emissora de televisão, ligada a uma cadeia de canais que o presidente vive ameaçando de acabar com ela, Mandetta respondeu com tranquilidade e segurança a perguntas que poderiam facilmente levá-lo a uma posição político-partidária aguerrida, culpando algum opositor pelo Covid-19, como fazem muitos de seus colegas de governo. Ele o evitou sempre com dignidade e isenção.
O ministro não citou Jesus na goiabeira, não escreveu impressionante com c, não fez estudantes se amargurarem, não botou a culpa na ONG mais à mão, não mandou nenhum congressista se foder, nem acusou ninguém de querer dar o furo. Mais do que a nós mesmos, que ligamos a televisão na esperança de aprender a pelo menos evitar o mal pior, ele respeitou foi o poder do mundo e da natureza, que estão sempre dispostos a nos surpreender, como quem testa um morador do mesmo espaço da casa que começa a merecer um castigo mais grave para se tocar de tanta besteira que anda cometendo. O ministro exercitava uma certa sapiência solidária, aquela que nos obriga a pensar também nas outras vítimas.
Não sei direito quem é o ministro Mandetta, de onde ele vem, de que partido ele é, qual a sua ideologia política, essas coisas que se tornam tão pequenas, inúteis e desimportantes na hora do desastre. Coisas que na hora do desastre não servem para quase nada.
Não sei se ele se deu conta disso, mas o comportamento de Mandetta agravou mais ainda o silêncio do presidente sobre o assunto. O presidente estava ocupado demais, tramando a ocupação das ruas pelos seus eleitores de raiz. Enquanto o ministro tentava nos ensinar os gestos mais simples para nos livrar da maldição do vírus, com recados aplicados, razoáveis e preciosos, salvando-nos da ignorância natural em que vivemos, o presidente usava essa mesma ignorância natural para produzir fake news, uma atrás da outra. Ele quer atrair para seus planos os que se satisfazem com a ignorância, os que nem sabem que podem, um dia, saber como escapar do vírus.
O presidente não diz a verdade quando diz que está ensinando a velhos políticos um novo modo de fazer política. Ele faz política há mais de 30 anos, no “baixo clero” da Câmara, grupo sem importância de deputados insignificantes que nunca apresentam projetos e vivem de pequenas jogadas que lhes rendem o mínimo necessário para suportar o tédio de Brasília. Como seus colegas do “baixo clero”, o presidente já passou por cerca de dez partidos, incluindo o de Paulo Maluf, de quem nunca questionou a correção privada ou pública. De que honestidade o presidente está falando hoje?
Enquanto o ministro da Saúde se preocupa com a protopandemia que nos ameaça, seu presidente até hoje não se manifestou sobre o que devem fazer seus “súditos”, os bolsotários, diante do coronavírus. Ele só pensa em se descolar, sem nenhum respeito, da Constituição sobre a qual jurou quando assumiu a presidência. Como disse Ulysses Guimarães, no anúncio daquela Constituição de 1988, “traidor da Constituição é traidor da pátria”.