Bruno Villas Bôas: Os rumos da desigualdade

País precisa de uma agenda social e reforma tributária.
Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Marcos Corrêa/PR

País precisa de uma agenda social e reforma tributária

A recuperação da economia ganhou mais força e o mercado de trabalho dá sinais de melhora, com o avanço um pouco mais intenso de postos com carteira assinada. É combinação desejável para o início de um novo ciclo de redução da desigualdade de renda no país, após o aumento do fosso social ao longo da crise. Mas o caminho de volta promete ser longo.

O Brasil sempre foi desigual, mesmo com as tênues conquistas sociais da primeira década e meia do milênio. Em 2015, o índice de Gini do país era de 0,524 – o indicador varia de zero a um, sendo zero a igualdade perfeita. Era, então, o melhor número da série histórica, mas colocava o país apenas entre Botsuana e Suazilândia. Como a recessão destruiu empregos e atingiu trabalhadores que já ganhavam menos, a disparidade ficou ainda maior nos anos recentes. O índice era 2018 em 0,545, o mesmo do Lesoto.

O pesquisador Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acredita que, daqui para frente, o índice de Gini da renda domiciliar per capita tende a melhorar gradualmente. O índice chegaria a 0,520 em 2030. Seriam necessários, portanto, mais dez anos para retornarmos ao mesmo nível de desigualdade de 2015.

O cenário traçado por Soares, que foi presidente do Ipea entre 2014 e 2015, considera um crescimento econômico médio de 2% ao ano, alguma melhora do mercado de trabalho e pouca novidades no campo da proteção social. É um quadro de recuperação gradual, que chamou de “medíocre”.

Segundo ele, a disparidade entre ricos e pobres vai ceder lentamente mesmo com fatores demográficos e educacionais atuando a favor. Um deles é que as famílias mais pobres têm cada vez menos integrantes, convergindo ao padrão das famílias ricas. Isso contribui porque o Gini é calculado pela divisão da renda da família pelo número de integrantes.

Outro fator é o início do encolhimento da população em idade ativa, o que potencialmente reduzirá a oferta de mão de obra – se o trabalhador qualificado é hoje escasso, o não qualificado também será, elevando salários. O terceiro fator está na redução da desigualdade educacional ocorrida no país no passado recente, o que ainda vai produzir frutos.

Mas existe um outro cenário que aponta para uma melhora mais acelerada da diferença de renda. Nele, o país reduziria o índice de Gini para 0,470 em 2030. O Brasil entraria na próxima década com a menor desigualdade já registrada, embora ainda elevada e distante da de vizinhos como o Uruguai (0,395).

Como acelerar a redução da desigualdade? Há muito a ser feito. Uma reforma tributária capaz de redistribuir a carga de impostos é uma peça fundamental. Daniel Duque, pesquisador do Ibre/FGV, diz que a medida passa por criar uma nova alíquota máxima do Imposto de Renda, acima de 27,5%, além de aumentar o teto do imposto sobre herança e reduzir impostos indiretos sobre consumo.

Outro campo fértil é o de programas de garantia de renda, de inclusão produtiva, as rede de proteção ao trabalhador, o saneamento. Uma agenda nessa direção foi apresentada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em novembro, batizada de Agenda para o Desenvolvimento Social. Entre as medidas, está a ampliação do programa Bolsa Família.

Durante a crise, os mecanismos de proteção social foram insuficientemente usados para compensar os efeitos da recessão sobre a parcela mais vulnerável da população, como o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), e o seguro-desemprego, defende Rogério Barbosa, pesquisador das universidades de São Paulo e de Columbia.

“Seria esperado que nesse período de crise a proteção social atuasse de forma particularmente mais intensa, de modo a compensar os efeitos mais perniciosos para os mais pobres. Mas isso não aconteceu”, diz Barbosa.

Sem a ampliação desses gastos, a pobreza também levará mais uma década para retornar aos níveis pré-crise, diz Marcelo Neri, da FGV Social. Nos cálculos dele, se a renda total crescer 2,5% ao ano de 2019 a 2030, com a desigualdade constante, a pobreza chegará ao fim do período no mesmo nível que estava em 2014.

“Revertendo a redução de políticas de combate à pobreza, chegaremos a 2030 com menos pobreza do que antes da crise, simples assim”, diz Neri.

No governo Jair Bolsonaro, porém, os rumos de programas sociais seguem incertos. O governo pretende reformular o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida para que recebam a “digital” do presidente. Recentemente, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, declarou que pretende aumentar a renda de 10 milhões de beneficiários que já estão no programa a um custo de R$ 7 bilhões. É meritório, mas ainda uma intenção.

Se existe um primeiro sinal positivo foi a pausa na piora da desigualdade da renda do trabalho no terceiro trimestre de 2019. O índice de Gini da renda do trabalho domiciliar per capita ficou estável frente ao mesmo período de 2018. O indicador piorara em 14 dos 15 trimestres anteriores por essa base de comparação.

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