28 anos depois, a mesma pergunta e as mesmas opções
A capa da revista “Veja” de 1º de julho de 1992 trazia uma pergunta que voltou a circular no Brasil desde sexta-feira: “No que vai dar a crise”? As opções eram as seguintes: a) impeachment; b) renúncia; c) parlamentarismo já; d) Collor continua, forte; e) Collor continua, fraco. Àquela altura dos acontecimentos, a revista cravava a última alternativa como a mais provável.
A despeito das fortes denúncias de corrupção envolvendo o então presidente e seu tesoureiro de campanha PC Farias, a princípio pouca gente acreditava que a CPI criada para investigá-los realmente levaria ao fim prematuro do governo.
Desde que seu irmão Pedro o acusou, Collor articulava nos bastidores para encontrar uma saída. Uma trama de negociações começou a ser costurada com os poderosos Antonio Carlos Magalhães e Jorge Bornhausen (caciques do PFL, atual DEM), Ulysses Guimarães (presidente do PMDB, hoje MDB) e Mário Covas (líder do PSDB) e tudo parecia indicar que fechariam um acordo: lançariam PC Farias aos leões da CPI e da opinião pública, enquanto Collor seria poupado, loteando seu ministério à coalizão formada pelos maiores partidos de então.
Nas últimas três semanas Bolsonaro movimentou-se intensamente na direção de partidos que podem lhe dar proteção para enfrentar a crise. De acordo com sua agenda oficial, divulgada na página do Palácio do Planalto na internet, o presidente recebeu recentemente lideranças do PP (Ciro Nogueira), Republicanos (Marcos Pereira), PSD (Gilberto Kassab), Democratas (ACM Neto), MDB (Eduardo Braga e Baleia Rossi) e PL (Jorginho Mello). Dada a frequência das visitas dos deputados Fábio Faria (PSD-RN) e Arthur Lira (PP-AL), ambos herdeiros de famílias tradicionais de políticos, Bolsonaro está buscando não apenas uma conexão com o Centrão, mas também com os clãs nordestinos.
Um acordo entre Bolsonaro e os principais partidos do Centrão sempre fez sentido. Eles partilham de uma visão conservadora da sociedade, encaram a política como um meio de perpetuar seu poder e de sua família e não têm pudores de trocar de lado caso as circunstâncias mudem. A grande questão que se coloca, hoje, é o timing dessa aproximação.
Bolsonaro poderia ter feito essa opção assim que tomou posse – afinal de contas, um contingente enorme de deputados e senadores foi eleito com o apoio dos mesmos “ismos” que o conduziram ao Palácio do Planalto, como o antipetismo, o lavajatismo, o liberalismo na economia e o conservadorismo nos valores morais. Com popularidade em alta, o ex-capitão poderia ter abrigado em seu ministério representantes dessas correntes vindos do Centrão, e assim teria consolidado sob a sua liderança uma base governista praticamente imbatível.
Mas não foi esse o caminho escolhido, e agora o preço subiu bastante. Desgastado nas últimas semanas, o presidente senta-se à mesa de negociações com muito menos cacife do que possuía em janeiro de 2019. Uma parte de seus apoiadores originais já tinha abandonado o barco com a condução errática do país em meio à pandemia e um outro tanto desertou junto com Sergio Moro. Após 16 meses maldizendo o “toma lá dá cá” e a tal “velha política”, será difícil para Bolsonaro explicar para o seu eleitor-raiz essa mudança de rumo – e uma nova leva de bolsonaristas pode virar a casaca.
Hoje em dia Bolsonaro também tem muito menos a oferecer ao Centrão. É óbvio que sempre existirão cargos e orçamento a distribuir, mas com uma severa recessão mundial à espreita, o butim encolheu significativamente. Em vez de sócios na época de prosperidade e fartura prometida por Paulo Guedes há bem pouco tempo, deputados e senadores do Centrão poderão se tornar devedores solidários num governo quebrado em meio a milhões de desempregados e empresários falidos.
Em qualquer curso de negociação aprende-se como a credibilidade é importante. Desde o fim da ditadura, a maioria dos presidentes brasileiros enfrentou graves crises econômicas ou de governabilidade que colocaram em risco o comando do país. Collor e Dilma sucumbiram – e não por acaso, eram aqueles com menor habilidade política. Sarney, FHC, Lula e Temer, todos eles macacos-velhos em lidar com o Congresso, de uma forma ou de outra driblaram as adversidades e chegaram ao fim dos seus mandatos.
Em quase três décadas como deputado, Bolsonaro nunca se notabilizou pela liderança – ao contrário, o baixo clero foi sempre a sua casa. Alçado à Presidência do país, nunca se empenhou em criar um clima positivo com o parlamento. Diante desse histórico, os partidos do Centrão não têm quaisquer garantias de que seu apoio terá como contrapartida estabilidade e segurança por parte do Palácio do Planalto.
Para completar o quadro, a incerteza quanto ao futuro é outro obstáculo à celebração de um pacto com o Centrão. Depois das denúncias apresentadas pelo ex-ministro Moro, ninguém sabe o que ainda pode sair da caixa de Pandora das investigações levadas a cabo pela Polícia Federal a respeito do envolvimento de seus filhos com a disseminação de “fake news”, o escândalo das rachadinhas e a atuação das milícias.
Na crise do governo Collor, a negociação com os principais partidos ruiu à medida que se acumularam evidências do relacionamento do ex-presidente com as atividades criminosas de PC Farias e o favorecimento de sua família – e a população, em massa, foi às ruas pedir a sua cabeça. Poucas semanas após a publicação da capa da revista “Veja”, as apostas rapidamente mudaram do prognóstico “Collor continua, fraco” para “impeachment”. E ao final resultaram em “renúncia”.
Pouca credibilidade, apoio popular em queda, uma forte recessão à frente e incertezas quanto à lisura das atividades de seus filhos – por mais lucrativo que seja fazer parte do governo, é difícil vislumbrar o que o Centrão teria a ganhar com uma associação a Bolsonaro nas condições atuais de seu mandato.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.