Do ponto de vista eleitoral, auxílio emergencial foi efêmero
Foram R$ 293 bilhões injetados no bolso de quase 70 milhões de pessoas. A maior transferência direta de recursos federais para o cidadão brasileiro na história rendeu dividendos fugazes para Bolsonaro. Foi só anunciar o fim dos pagamentos do auxílio emergencial que a sua reprovação voltou a subir.
É bem verdade que existem outros fatores para explicar a queda de popularidade neste início de ano. Houve também o recrudescimento das mortes pelo coronavírus, o colapso no sistema de saúde de Manaus e os erros do governo no começo da vacinação.
Mas há algumas evidências de que o auxílio emergencial influenciou bastante o humor da população durante a pandemia. Comparando-se o pior momento de Bolsonaro, em junho passado, quando o país sofria a primeira onda da covid-19 em sua força máxima, com dezembro (mês do pagamento da última parcela do benefício para a maior parte dos contemplados), a rejeição ao presidente reduziu-se significativamente em todos os segmentos sociais.
Entre os que se enquadravam como seu público-alvo, porém, o efeito foi mais intenso, com as notas de ruim e péssimo caindo mais fortemente entre os nordestinos (de 52% para 34%), as pessoas que recebem até 2 salários (de 44% para 27%) e quem possui apenas o ensino fundamental (de 40% para 26%). Porém, como diria o príncipe do samba, “dinheiro na mão é vendaval”.
Não se passou um mês do fim do alívio financeiro, e com algumas pessoas ainda recebendo um rescaldo de pagamentos atrasados, o apoio a Bolsonaro voltou a cair fortemente junto ao grupo que foi mais contemplado com os desembolsos. A avaliação negativa de seu governo em janeiro/2021 voltou a piorar junto aos mais pobres (41% de ruim/péssimo), menos escolarizados (35%) e no Nordeste (43%). Entre os desempregados, a desaprovação ao governo já bate em 48%; para se ter uma ideia, há um mês ela estava em 31%.
A deterioração repentina na imagem do presidente junto ao eleitorado aumenta a pressão por uma nova fase da ajuda governamental. Mas não é só isso: as perspectivas de demora na vacinação e as aterrorizantes notícias sobre as novas cepas do coronavírus indicam que a tal recuperação está mais para W do que para V. Assim, independentemente de quem vença as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado logo mais, o auxílio emergencial voltará a ser destaque na ordem do dia.
Três possibilidades parecem estar colocadas para Bolsonaro: I) obter um novo decreto de calamidade pública e contratar o gasto extra para reativar o benefício; II) conceder uma nova rodada tendo como contrapartida uma mini-reforma fiscal, aprovando a PEC Emergencial; e III) retomar a ideia inicial de Paulo Guedes, lançando um novo programa de transferência de renda com a extinção de políticas públicas já existentes.
Simplesmente repetir em 2021 a mesma tática do ano passado, como prevê a primeira opção, seria plantar vento para colher tempestade às vésperas do início da campanha para a reeleição. Com a dívida pública batendo em 89,3% do PIB, o espaço fiscal ficou extremamente limitado. Racionalmente, os potenciais efeitos sobre o câmbio, a inflação e aos juros nos próximos meses não justificam a concessão de novas prestações que, como vimos, têm efeitos efêmeros sobre a avaliação do governo.
Na última semana começou-se a discutir a alternativa de condicionar uma nova fase de transferência de renda, mais delimitada e diluída no tempo, à aprovação da PEC Emergencial. Essa opção, contudo, esbarra na falta de credibilidade do presidente em tomar medidas impopulares, como reduzir carga horária e cortar salários de servidores públicos para alocar recursos para o auxílio emergencial 2.0.
Restaria, então, a possibilidade de retomar a ideia inicial de Paulo Guedes, realocando recursos hoje comprometidos com programas sociais menos eficientes (como o auxílio-defeso, o abono salarial e a farmácia popular) num programa mais focalizado e perene que seria chamado de Renda Brasil ou Renda Cidadã. Apesar de Bolsonaro ter torpedeado a ideia em seu nascedouro, avisando que não iria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, essa poderia ser uma estratégia viável caso pretenda chegar forte em 2022 e sem explodir o teto. E ele não seria o primeiro a seguir esse caminho.
No final de 2003, Lula empacotou três políticas sociais assistenciais criadas ainda no governo FHC – Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Auxílio-Gás, cada qual com regras próprias, públicos-alvo diferentes e órgãos de execução distintos -, e as consolidou num único benefício social permanente: o Bolsa Família.
Graças a essa mudança – impulsionada também pela política de valorização do salário mínimo -, o líder petista conseguiu fazer a mais impressionante migração de eleitorado da história brasileira. Se no pleito de 2002 Lula extraiu a maioria dos seus votos das regiões metropolitanas do Centro-Sul, onde a população é mais rica e escolarizada, quatro anos depois seus eleitores estavam localizados entre os mais pobres, com menos anos de estudo e moradores do interior do Norte e do Nordeste do país.
Não por acaso, é justamente no público com perfil de beneficiário do Bolsa Família que Bolsonaro tem mais dificuldade de penetração – e onde a ajuda emergencial mais fez diferença.
Na semana passada, o colunista do New York Times Ezra Klein, analisando os desafios do governo Biden, escreveu que, em geral, um presidente nunca é reeleito por políticas que o eleitor não sabe que foi ele quem fez. Acredito que esse pensamento caiba perfeitamente na discussão sobre o dilema da ajuda aos mais atingidos pela pandemia. Um programa permanente, nos moldes de um Bolsa Família turbinado, seria muito mais bem avaliado pela população do que uma miríade de benefícios dispersos, como existem hoje.
Ao lançar-se abertamente na direção do Centrão, Bolsonaro demonstra que, para vencer em 2022, decidiu render-se ao pragmatismo. Ouvir a equipe econômica nesta questão do auxílio-emergencial deveria ser o próximo passo.