Muda discurso sobre Meio-Ambiente, mas não a prática
Tomada ao pé da letra, há uma enorme evolução entre o discurso proferido por Jair Bolsonaro na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, bem no início do seu mandato (22/01/2019), e a carta enviada ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na última quarta-feira (14/04), confirmando presença na Cúpula de Líderes sobre o Clima.
Em sua primeira viagem internacional, o novo presidente brasileiro apresentou-se à elite mundial com uma fala de meros 6 minutos e 37 segundos. Na ponta do lápis, foram 741 palavras – pouco mais do que uma página de Word. Já a carta enviada para Biden na semana passada, ao contrário, não economizou no texto; foram sete laudas, e diferentemente da apresentação na Suíça, quando desperdiçou a chance de apresentar os principais planos para o seu governo, Bolsonaro na missiva para o americano tratou de apenas um assunto: o meio ambiente.
Para além do tamanho do texto, houve uma mudança de tom. Em Davos, o presidente brasileiro apresentava o patrimônio natural brasileiro como um ativo a ser negociado. “Temos a maior biodiversidade do mundo e nossas riquezas minerais são abundantes. Queremos parceiros com tecnologia para que esse casamento se traduza em progresso e desenvolvimento para todos. Nossas ações, tenham certeza, os atrairão para grandes negócios”, afirmou, anunciando que o Brasil estava de braços abertos para o mundo.
A carta para Joe Biden é muito mais cautelosa. Começa reiterando “o compromisso do Brasil com os esforços internacionais de proteção ao meio ambiente, combate à mudança do clima e promoção do desenvolvimento sustentável”. Em seguida, faz um retrospecto dos avanços do país na área, frutos dos governos anteriores – embora não deixe isso explícito, não deixa de ser um fato importante para quem sempre criticou seus antecessores na área ambiental.
Por fim, Jair Bolsonaro apresenta planos muito mais elaborados do que simplesmente obter parceiros para explorar as riquezas da floresta: intensificar o combate ao desmatamento ilegal e as queimadas, acelerar a implementação de um mercado de créditos de carbono e estimular o pagamento por serviços ambientais para que proprietários de terra se sintam incentivados a manter a floresta em pé, entre outras medidas.
Comparando os dois textos, seríamos levados a concluir que o presidente brasileiro mudou, finalmente se conscientizando da seriedade da questão ambiental e dos imensos ganhos que o país pode obter ao assumir um maior protagonismo nessa área. Só que não (#sqn, como se diz nas redes sociais).
Quem mudou, na verdade, foi o mundo. E a reunião que começa na próxima quinta-feira (22/04), tendo o presidente dos Estados Unidos como anfitrião num encontro de 40 líderes mundiais, revela isso.
Há cinco anos o Global Risks Report, pesquisa realizada junto a centenas de especialistas do setor privado, governos e sociedade civil, aponta os danos causados pelo aquecimento global como o evento com maior probabilidade de ocorrência no curto prazo. Para 2021, embora a pandemia se apresente, por motivos óbvios, como tendo o maior impacto, a falha na ação climática, a perda de biodiversidade e a escassez de recursos naturais aparecem, junto com as armas de destruição em massa, como os “top-five” riscos medidos pelos seus efeitos potenciais sobre o planeta.
O atual movimento político na direção da antecipação das metas celebradas no Acordo de Paris, contudo, não se deve apenas a uma preocupação crescente com a questão climática. Há uma revolução econômica e tecnológica em curso, e ele traz em seu âmago a questão ambiental – para o bem ou para o mal.
O barateamento da produção de fontes limpas de energia, como eólica e solar, combinado com o desenvolvimento de baterias mais potentes, recarregáveis e leves, prenunciam um futuro próximo menos dependente da queima de derivados do petróleo e do gás natural.
Além disso, o aprimoramento dos mercados de crédito de carbono – que nos últimos meses têm batido recordes sobre recordes – tem sinalizado para as companhias de energia e a indústria pesada que o custo de poluir será cada vez mais salgado. Para completar, fundos de investimentos bilionários estão adotando a sustentabilidade em suas políticas de governança e premiam empresas responsáveis na área ambiental.
Há também o lado sombrio dessa história, que é o protecionismo. Os dados mais recentes da Organização Mundial do Comércio revelam que em 2018 foram apresentadas 663 notificações de práticas desleais de comércio que tinham como pano de fundo questões ambientais. E no âmbito da União Europeia já se discute abertamente uma proposta para proteger empresas locais contra a concorrência de produtos provenientes de países que não descarbonizarem as suas economias.
Voltando à carta de Bolsonaro para Biden, John Kerry, responsável pela ação climática no governo americano, tuitou na sexta que a mudança de tom do presidente brasileiro foi importante, mas é preciso demonstrar “resultados tangíveis”. E quando se vê o que o Palácio do Planalto propõe de concreto, prevalece a velha agenda do que há de mais retrógrado no agronegócio, no garimpo e nas madeireiras.
Basta conferir a pauta prioritária encaminhada pelo governo aos novos presidentes da Câmara e do Senado em fevereiro deste ano: nela constam propostas de mineração em terras indígenas (PL nº 191/2020), regularização fundiária na Amazônia (PL nº 2.633/2020) e flexibilização das regras de licenciamento ambiental (PL nº 3.729/2004).
O discurso pode ter melhorado, mas na prática a visão do governo brasileiro continua sendo aquela demonstrada de forma nua e crua pelo diretor Marcus Vetter no documentário “O Fórum”. Nos bastidores do encontro de Davos em 2019, Bolsonaro responde da seguinte maneira à preocupação do ex vice-presidente americano Al Gore com o desmatamento no Brasil: “A Amazônia não pode ser esquecida. Temos muitas riquezas. E gostaria muito de explorá-la junto com os Estados Unidos”.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.