Aliança entre Planalto e STF contra abusos acelera esforço para estancar a sangria
O ex-senador Romero Jucá deve estar com inveja. Em poucos meses, o novo governo pôs de pé um pacote para estancar a sangria e redefinir a atuação de órgãos encarregados de fiscalizar atividades financeiras. A ideia ganhou velocidade rara depois que os farejadores se aproximaram da família do presidente e de outras autoridades.
Nas últimas semanas, o ministro Paulo Guedes anunciou a intenção de fatiar a Receita Federal e mudar a estrutura do Coaf —que produz relatórios sobre movimentações suspeitas de dinheiro. O objetivo declarado é limitar a influência política sobre as duas entidades e reduzir sua autonomia para evitar abusos.
Não foram poucas as ocasiões recentes em que órgãos de fiscalização ultrapassaram as fronteiras da lei, mas o movimento de reforma, por enquanto, cheira a oportunismo.
A atuação do Coaf e da Receita tem sido alvo de críticas justas das figuras mais poderosas da cena política. A insatisfação parece ter criado entre os personagens dispostos a frear esses excessos uma aliança incomum —com o Supremo, com tudo.
A decisão do ministro Dias Toffoli de suspender investigações baseadas em relatórios detalhados do Coaf, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro, lançou a primeira ponte. O freio nos inquéritos deu respaldo à articulação do governo para fazer mudanças no funcionamento do órgão, especialmente depois que o presidente do conselho criticou o despacho de Toffoli.
O STF abriu mais um caminho ao mandar interromper apurações da Receita sobre movimentações financeiras de ministros do tribunal. Em pouco tempo, a equipe de Bolsonaro começou a esboçar um novo organograma para a entidade, a fim de circunscrever seus trabalhos.
A atuação ilegal de alguns auditores e servidores explica a reação, mas ela já nasce contaminada pelas circunstâncias políticas. Mudando algumas letras de lugar, o redesenho institucional pode muito bem se transformar num projeto de esvaziamento das estruturas de controle.