Brasil ganha pontos na crise venezuelana se deixar de imitar Trump em tudo
Às vésperas das eleições de 2002 na Bolívia, o embaixador americano em La Paz pediu à população que votasse em qualquer candidato menos Evo Morales. O esquerdista era o quarto colocado nas pesquisas, com 11%. Após a declaração, saltou para 21% e ficou em segundo lugar.
No início do milênio, o sentimento antiamericano ainda fazia sucesso na região. Morales não se elegeu, mas o empurrãozinho do diplomata ajudou sua carreira política.
Nicolás Maduro agora tenta se segurar no poder na Venezuela com fiapos desse mesmo simbolismo, já ultrapassado. Depois que EUA, Brasil e outros se uniram para reconhecer um novo governo no país, ele tenta convencer o povo de que é vítima de uma conspiração internacional.
A ladainha é tão furada quanto os buracos que o regime autoritário deixou na economia e na democracia. Embora os americanos tenham adotado uma retórica ofensiva (seguida de maneira tola pelos brasileiros), os manifestantes que tomaram as ruas do país nesta quarta (23) não receberam Big Macs da Casa Branca para pedir a derrubada de Maduro.
O movimento internacional contra o regime ajudou a alimentar os protestos porque deu respaldo a Juan Guaidó, que se declarou empossado na Presidência. Maduro perdeu força, mas lançou um contragolpe para testar os limites da retórica antiamericana e do apelo à soberania.
O ditador tenta tirar proveito de sua promoção ao status de vilão internacional. Ao transformar a luta pelo poder em matéria global, Maduro se agarra a um discurso que soa bem entre militares e nacionalistas. O palavrório não neutraliza, é claro, a deterioração da economia e das instituições democráticas.
A crise deve se aprofundar. A ação estrangeira e a previsível reação de Maduro bloqueiam os já escassos caminhos para uma solução negociada. Trump disse que não descarta uma intervenção militar no país, mas os generais brasileiros se apressaram em rejeitar o plano. O Brasil pode ganhar pontos se desistir da ideia de imitar Washington em tudo.
*Bruno Boghossian é jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).