Bolsonaro trabalha para ocupar máquina pública com operadores ultraconservadores
Quando procurava um nome para comandar a Ancine, ainda no primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro não escondeu o perfil desejado. O presidente disse que o chefe da agência deveria andar com a Bíblia debaixo do braço, saber recitar 200 versículos e ter os joelhos machucados de tanto rezar.
Pode-se imaginar por que seu governo exigiria essa experiência tão peculiar de candidatos a gerenciar um órgão de incentivo ao cinema. A ocupação de espaços de poder por portadores de um currículo ideológico alinhado ao bolsonarismo sempre foi uma obsessão do presidente.
Bolsonaro transformou em projeto a confusão entre valores conservadores e as ações do governo. O objetivo é implantar à força nessa estrutura uma cultura da ultradireita.
A consequência é a ruína generalizada da máquina pública. O departamento bolsonarista de recursos humanos adotou como itens de suas entrevistas de emprego crenças exóticas como o antiglobalismo, o culto à cloroquina, o anticomunismo e o armamentismo. Só faltou procurar alguém que respeitasse as leis e soubesse o que está fazendo.
Essa invasão política ajuda Bolsonaro a manter coesa sua base eleitoral. Quanto mais ele esbraveja a favor das armas ou usa argumentos religiosos para atacar adversários, mais firme fica seu vínculo com os segmentos ligados a esses valores.
Os prejuízos coletivos aparecem em casos como a inútil discussão no STF sobre o fechamento de igrejas na pandemia. O ministro Kassio Nunes Marques ignorou o morticínio nacional e o risco de transmissão do vírus e disse que aquela medida era desproporcional.
Candidato ao tribunal na vaga reservada a um ministro “terrivelmente evangélico”, Augusto Aras afirmou que “o Estado é laico, mas as pessoas não são”. Seu principal concorrente, André Mendonça, citou versículos bíblicos e disse que os cristãos “estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião”.
Sozinho, Kassio já produz estragos, mas logo deve ganhar companhia.