Juízes provaram que têm pouco interesse em extinguir cultura de privilégios
A criação de novas regras para o pagamento de auxílio-moradia para juízes é o desfecho de uma novela indecorosa. Apesar de estabelecer padrões relativamente rígidos para o benefício, o Judiciário provou que está pouco interessado em extinguir sua cultura de privilégios.
Numa trama de negociações sigilosas e chantagens escancaradas, o Conselho Nacional de Justiça levou 1.555 dias para reconhecer o óbvio: só pode receber o valor extra aquele juiz que é transferido de sua comarca original, desde que não tenha imóvel próprio no novo local.
O colegiado ainda deu ares de austeridade ao aplicar uma exigência que deveria ser uma condição moral para qualquer uso de dinheiro público, que é a obrigatoriedade de apresentação de um documento que comprove a despesa do magistrado com o aluguel.
O papel de vilão cabe ao ministro Luiz Fux. Em 2014, ele assinou a liminar que liberou o pagamento do auxílio a toda a magistratura. O argumento original era a necessidade de equiparação dos benefícios recebidos em alguns estados e por outras categorias. Anos depois, comprovou-se que era papo furado.
A canetada de Fux foi usada de maneira escancarada para pressionar o Congresso e o presidente da República a autorizarem o aumento salarial de 16,38% cobrado pelo Judiciário. Ele mesmo teve uma reunião reservada com Michel Temer para negociar a troca: assim que o reajuste saiu, o ministro derrubou o benefício e o CNJ estabeleceu as novas regras para o pagamento.
O relator do caso ainda fez questão de manter uma brecha. Afirmou que o auxílio não era um “privilégio irrazoável” e se recusou a declará-lo inconstitucional. Este detalhe permite que as restrições ao benefício sejam questionadas no futuro e novas liminares sejam concedidas.
O Judiciário também enfrenta cobranças pela extinção e regulamentação de outros penduricalhos, como o auxílio-alimentação. Em quatro anos, talvez os juízes possam fingir disposição para enfrentar o tema.