Batalha ideológica de Bolsonaro cria vácuo de políticas públicas
A pergunta que marcou Ricardo Vélez Rodríguez ao receber o convite para assumir o Ministério da Educação não foi sobre evasão escolar ou sobre a qualidade do ensino técnico. “Você tem faca nos dentes para enfrentar essa guerra?”, quis saber Jair Bolsonaro.
O presidente eleito escalou sua equipe como se montasse uma tropa para um conflito. Ao escolher o nome que vai chefiar um setor com deficiências crônicas, sua principal preocupação foi atacar os fantasmas do marxismo e do comunismo.
“Senhor presidente, estou nessa guerra há 30 anos. Porque há 30 anos o marxismo está aí presente, marginalizando gente, fazendo fake news”, disse Vélez ao novo chefe. O emprego estava garantido.
No Brasil, 55% das crianças de oito e nove anos não sabem ler, e 93% dos alunos não sabem matemática ao concluir o ensino médio, mas o futuro ministro da Educação acha que seu grande problema será a doutrinação de crianças e jovens.
Bolsonaro já escolheu quase todos os seus ministros, mas ainda sobram dúvidas sobre o que seu governo fará de fato. A própria tentativa de redesenho do governo atende mais a um conjunto de expectativas simbólicas do que à lógica do mundo real.
O presidente eleito já prometeu acabar com o Ministério do Trabalho, depois disse que seria fundido com outra pasta. Agora, a ideia é distribuir suas funções pela Esplanada, mas ainda não se sabe exatamente o que será feito para combater o trabalho escravo, por exemplo.
Nesta segunda (3), o futuro ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) também anunciou que a Funai deverá ser deslocada para a Agricultura. Na prática, os ruralistas que comandam a pasta serão responsáveis pela proteção de terras indígenas.
A guerra ideológica de Bolsonaro pode até fazer sucesso enquanto o governo não começa, mas o jogo muda a partir de janeiro. Se o governo não preencher o vazio de políticas públicas que marcou a campanha e a transição, pode frustrar até mesmo seus apoiadores fiéis.