Subnotificação pode ampliar falsa sensação de fim da epidemia e relaxar isolamento
“Ainda não estamos lá”, afirmou Anthony Fauci, conselheiro da Casa Branca na crise do coronavírus. Enquanto Donald Trump ameaça governadores e diz ter autoridade para reabrir a economia, o imunologista disse à agência Associated Press que os EUA não têm testes e redes de rastreamento suficientes para fazer as vontades do presidente.
O médico já havia envergonhado Trump ao dizer que o governo americano deveria ter agido mais cedo contra a pandemia. Agora, ele expõe uma realidade que muitos líderes tentam esconder: não há como voltar à normalidade se não houver exames em massa para acompanhar o contágio e isolar doentes.
No Brasil, Jair Bolsonaro ainda precisa de uma dose dupla de vergonha. O presidente insiste em retomar a atividade econômica na marra e diz, talvez com base no próprio achismo, que “está começando a ir embora essa questão do vírus”.
Bolsonaro gostaria de lançar o país numa espécie de roleta russa. Sem testes suficientes para detectar o coronavírus, será impossível identificar individualmente os trabalhadores contaminados, que transmitirão o vírus a outras pessoas. Para piorar, o presidente se aproveita da subnotificação de casos para fazer propaganda enganosa do fim da epidemia.
Especialistas alertam há semanas que o número de infectados e de mortes provocadas pela Covid-19 são mais altos do que os confirmados pelas autoridades. Só em São Paulo, havia uma fila de mais de 15 mil testes sem resposta. Os números oficiais de vítimas já são alarmantes, mas podem ser muito maiores.
A incerteza sobre o alcance real da doença favorece a campanha fantasiosa do presidente, que até hoje debocha do vírus. A subnotificação pode ampliar a falsa sensação de que a crise não é tão grave e de que o isolamento é desnecessário.
Com um número ínfimo de testes realizados, talvez o país só conheça a dimensão exata da pandemia tarde demais, quando decisões erradas aumentarem o desastre. No escuro, até Bolsonaro pode parecer ter razão.