Presidente anda para trás no trabalho de articulação e aprofunda isolamento
Jair Bolsonaro igualou uma façanha dos tempos modernos quando se elegeu sem fazer alianças com grandes partidos. Ao tomar posse, concretizou um lance audacioso ao montar um governo sem negociar ministérios em troca de apoio no Congresso. Desde então, o presidente passa os dias admirando os dois títulos pendurados na parede.
Bolsonaro chega à reta final do terceiro mês de mandato sem apresentar um diagrama do que será erguido no lugar das relações partidárias que ele prometeu derrubar. Na última semana, o governo obteve a proeza de aprofundar ainda mais seu isolamento político.
O PSL, partido do próprio presidente, deu sinais de esfarelamento. O líder da sigla na Câmara criticou a proposta do Planalto para reformar a aposentadoria dos militares e disse que a legenda não estava disposta a “descascar o abacaxi no dente”.
O desprezo do clã Bolsonaro pela tal velha política se traduziu em hostilidade. Conseguiu incomodar o DEM, o único partido que fazia esforços para dar sustentação ao governo, com o comando das duas casas do Congresso. O presidente andou para trás no trabalho de articulação.
Bolsonaro não precisa ceder ao “toma lá, dá cá” que marcou, por décadas, a relação entre Executivo e Legislativo, mas também não conseguiu mostrar como conquistar votos para aprovar os projetos de seu interesse. Sua única estratégia, até agora, foi tentar abrir caminho na política a golpes de machado.
O governo decidiu se mover de acordo com a algazarra de seus apoiadores fiéis e ignorar as vozes do Congresso —o que afasta Bolsonaro cada vez mais de pautas como a reforma da Previdência. Nenhum de seus eleitores mais aguerridos, afinal, votou nele pensando no ajuste do sistema de aposentadorias.
O presidente aposta numa filosofia da terra arrasada. No jantar que teve com Olavo de Carvalho, Bolsonaro disse que precisa “desconstruir muita coisa para depois começar a fazer”. Pelo visto, o dinheiro da obra pode acabar já na fase de demolição.