Divergência entre presidente e vice sobre vacina mostra busca por ganhos políticos individuais
Quando começou a atacar as medidas de distanciamento para conter o coronavírus, Jair Bolsonaro ainda tentava disfarçar suas motivações. O presidente queria transferir para seus adversários políticos a responsabilidade pelos efeitos da pandemia, mas fingia estar preocupado só com a economia.
A segunda onda de sabotagem oficial é mais escancarada. Bolsonaro não se esforça mais para manter as aparências. Integrantes do governo reconhecem, sem pudor, que a saúde pública é explorada pelo presidente apenas para alimentar sua rivalidade com outros atores.
Um sincero Hamilton Mourão admitiu o óbvio numa entrevista à revista Veja. “Essa questão da vacina é briga política com o Doria”, afirmou, em referência ao veto de Bolsonaro à compra de doses produzidas em parceria com o governo paulista.
O vice-presidente disse que não veria problema em tomar a vacina chinesa fabricada em São Paulo e que o governo federal pagaria pelo imunizante. “O governo vai comprar a vacina, lógico que vai”, acrescentou.
Como se sabe, a lógica é um artigo em falta no Palácio do Planalto. Na véspera da publicação da entrevista, Bolsonaro havia descartado essa operação. E ainda debochou do tucano: “Eu, que sou governo, não vou comprar sua vacina também, não. Procura outro para pagar”.
O presidente e o vice raramente falam a mesma língua, mas a divergência específica sobre a compra da vacina mostra quem está em busca de ganhos políticos individuais.
A ação é descarada. Na última semana, o líder do governo na Câmara reconheceu que o objetivo era esvaziar o governador. “O Doria quer carimbar um tucano no vidrinho da vacina. Ele puxou o assunto para a política e agora ele vai ver as consequências disso”, disse Ricardo Barros (PP-PR) à Rádio Gaúcha.
Doria tenta mesmo tirar proveito político de um imunizante que ainda nem foi aprovado, e Bolsonaro trabalha para desacreditar a vacinação em geral. Enquanto isso, o país chega à marca de 160 mil mortos.